Sunday, August 30, 2009

Entrevista: José Garcia Abreu


Caros leitores,
Estamos dando início a uma série de entrevistas com pesquisadores brasileiros
na área de Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo. É com grande prazer que temos como primeiro convidado o Professor José Garcia Abreu, chefe do Laboratório de Embriologia dos Vertebrados do Instituto de Ciências Biomédicas/UFRJ.


1. O que o levou a realizar uma carreira em Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Dois fatores foram determinantes para esta escolha: 1) eu ter feito um curso da cátedra UNESCO em BD, cujo o tema era modelos de estudo em BD. Isso ocorreu em 1998 quando terminava meu doutorado. Nessa ocasião fiquei particularmente interessado em Xenopus, tive meu primeiro contato com os embriões e aprendi dissecar o ectoderma animal. Outro fator importante foi o fato de ter feito meu doutorado em Neurobiologia do desenvolvimento e durante este período lendo artigos me interessei por desenvolvimento mais precoce (blástula e gástrula).

2. Na sua opinião, qual foi trabalho científico mais importante na Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

É muito difícil responder esta questão, mas sem dúvida destaco os que foram contemplados com o Nobel, Spemann e Magold, 1924 e Nusslein-Volhard e Wieschaus,1980. As descobertas destes trabalhos foram seminais e ainda hoje são matéria base a qualquer nova descoberta. Outros trabalhos foram também importantes.

3. Quais as vantagens e desvantagens de se fazer Biologia do Desenvolvimento no Brasil?

A principal vantagem e que como ainda é um campo novo pode atrair novos talentos e como é multidisciplinar permite interações com diversos grupos locais que investigam outras temáticas. Por outro lado, é muito dificil estabelecer modelos novos como anfibios (Xenopus) e camundongo. O primeiro pelos entravés de importação e o segundo pelo custo e dificuldade de manutenção em condições adequadas.

4. Quais são as perguntas que você gostaria de responder em seu futuro científico ?

Muitas, mas se conseguisse contribuir para entender o que define posicionamento e destino a uma célula embrionária já ficaria satisfeito.

5. Quem mais o influenciou na sua carreira científica?

Muitos professores foram importantes no delineamento de minha careira e nesta entrevista não haveria espaço pra tantos nomes, mas no Brasil destacaria dois pesquisadores que conheci durante minha formação inicial e tenho relacionamento ate hoje, Vivaldo Moura Neto e Leny Cavalcante. Eles sabem dizer aquilo que você precisa ouvir. Através deles conheci muitos outros no Rio e pelo mundo. Fora do Brasil, o Professor Eddy De Robertis também me influenciou muito. Atualmente estou convivendo com o professor Xi He que é um cientista muito intenso, com uma cabeça genial e que aos 47 anos já é full professor em Harvard Medical School e é um dos líderes mundiais na sua area, Wnt no desenvolvimento e na doença.

6. Que outra profissão voce teria escolhido que nao a carreira científica?

Não sei mas seria algo relacionado à descoberta ou à busca de algo.


Em nosso nome, obrigado e muito sucesso Garcia.

Tuesday, August 25, 2009

Dentes de crocodilo, bico de galinha

ResearchBlogging.orgHá aproximadamente 300 milhões de anos, o ancestral de todos os vertebrados modernos deu origem às linhagens dos mamíferos e dos répteis e aves. Répteis, possuem dentes em forma de cone, assim como dinossauros ancestrais de aves. Entretanto, aves modernas, que surgiram 80 milhões de anos atrás, não possuem dentes.

Dentes, assim como membros e outros apêndices presentes no ancestral de vertebrados modernos, foram modificados ou mesmo perdidos de forma independente diversas vezes ao longo da evolução. Nos casos de caracteres perdidos, uma pergunta intrigante do ponto de vista da biologia evolutiva e de desenvolvimento é o quanto do programa de desenvolvimento ainda se faz presentes em espécies que perderam um determinado caractere? No caso das aves, a pergunta é: quanto do programa genético para formação de dentes ainda está presente? É possível reativar este programa e promover formação de dentes em aves modernas? Que dentes estas aves formariam?

E foi a resposta para estas três perguntas que Matthew Harris, aluno de doutorado no laboratório de John Fallon, e colaboradores na Universidade de Wisconsin, encontraram em 2006. Os resultados deste fantástico estudo com o mutante talpid foram publicados na revista Current Biology. Resumindo, Harris e colaboradores, estudando o mutante talpid (provavelmente devido às alterações na formação de membros – foco deste laboratório) observaram que estes também possuiam alterações na formação do bico. Análise cuidadosa revelou a formação de proeminências no limite lateral da cavidade oral, que histologicamente se assemelhavam a dentes de crocodilos.

Os pesquisadores compararam o desenvolvimento de dentes em crocodilos e na galinha mutante, estudando genes envolvidos com a formação de dentes como shh, ptc (o receptor a proteína Shh), pitx2, e bmp4. O que descobriram foi uma incrível semelhança espaço-temporal na expressão destes genes entre crocodilos e galinhas mutantes. Vale notar que os genes pitx2 e bmp4 sequer são expressos na cavidade oral em aves.

Por fim, os autores mostraram que as alterações na cavidade oral em galinhas mutantes resultaram no reposicionamento do epitélio com potencial sinalizador, colocando-o em contato com o mesênquima competente para produção de dentes. Os tecidos são normalmente separados durante a formação do bico em aves e os autores especulam que a perda dos dentes é resultado da separação do epitélio e o mesênquima competentes para formação de dentes. Nas aves mutantes, estes tecidos são postos em contato novamente e, conseqüentemente, formam-se dentes!

Este estudo representa mais um exemplo no qual uma estrutura é modificada não pela perda ou invenção de novos genes, mas pela utilização (ou não) destes. Por fim, este trabalho indica que algumas vias de desenvolvimento desativadas há muito tempo (neste caso, há 80 milhões de anos) podem ser reativadas.

Harris MP, Hasso SM, Ferguson MW, & Fallon JF (2006). The development of archosaurian first-generation teeth in a chicken mutant. Current biology : CB, 16 (4), 371-7 PMID: 16488870

Tuesday, August 18, 2009

Uma aranha com dois pares de patas ?


ResearchBlogging.orgEm um estudo publicado na edição online da revista científica Current Biology desta semana (http://www.cell.com/current-biology/abstract/S0960-9822(09)01378-5) pesquisadores da Universidade de Colônia, Alemanha estudando a formação dos segmentos da aranha Achaearanea tepidariorium conseguiram um feito inédito, geraram aranhas com dois pares de patas ao invés dos quatro pares habituais através de nocaute gênico via interfêrencia de RNA (iRNA). O grupo contou com a participação da brasileira Natália Martins Feitosa aluna de doutorado da Universidade de Colônia, que trabalhou no laboratório de Wim Damen (líder do artigo) durante sua especialização na Alemanha.

Uma das principais perguntas da área de Evolução e Desenvolvimento atual é sobre a origem e a diversificação da formação dos segmentos nos diferentes grupos animais. Alguns grupos acreditam que a segmentação foi inventada diversas vezes nos diferentes grupos de animais, enquanto outros propõem uma origem única deste processo. Um dos principais problemas para resolver dessa questão é que os estudos de biologia do desenvolvimento atuais tem se concentrado em espécies pertencentes a grupos derivados filogeneticamente como as moscas-da-fruta Drosophila melanogaster e o nematódeo nao-segmentado C. elegans.

Embriões de mosca-da-fruta, por exemplo, formam todos os segmentos da cabeça ao abdômen ao mesmo tempo, pois seu desenvolvimento embrionário é muito rápido, em torno de um dia. Ao contrário, quelicerados como a aranha utilizada no estudo e vertebrados como nós humanos levam muito mais tempo para se desenvolverem e tem a formação de seus segmentos em dois processos distintos, o primeiro no início do desenvolvimento embrionário na parte mais anterior e o segundo na região posterior, a chamada zona de crescimento ("growth-zone").

A primeira autora do estudo, atualmente realizando seu pós-doutorado em Harvard, Evelyn Schwager destaca que o artigo demonstra que dois mecanismos genéticos distintos estão envolvidos na segmentação nas regiões anterior e posterior na aranha.

O grupo de Wim Damen já havia ficado famoso alguns atrás ao publicar um artigo na revista Nature mostrando que a mesma via de sinalização, a via de Notch, é responsável pela segmentação da região posterior de aranhas. Notch é importante para a formação dos segmentos posteriores também em vertebrados como nós, mas nao é necessário para este processo em moscas-da-fruta que tem o desenvolvimento rápido e sincronizado de todos os segmentos. Em moscas-da-fruta o mecanismo envolvido na padronização de região anterior envolve vários fatores de transcrição, incluindo hunchback, cujo papel foi analisado pelo presente estudo em aranhas. No fim das contas gerar uma aranha com apenas dois pares de patas foi possível pelo presente estudo (os fascinantes filmes com aranhas selvagens e iRNA para hunchback podem ser encontrados em: http://www.cell.com/current-biology/supplemental/S0960-9822(09)01378-5).

É importante ressaltar que estas aranhas com dois pares de patas não sobrevivem muito tempo provavelmente por não serem capazes de realizarem de forma eficiente tarefas usuais como capturar insetos ou manipular a teia que produzem. No fim das contas, Darwin já mostrou há 150 anos que a selecao natural é responsável por selecionar as variantes mais aptas e não é a toa que
as aranhas possuem quatro pares de patas há muitos milhoes de anos.....

Schwager EE, Pechmann M, Feitosa NM, McGregor AP, & Damen WG (2009). hunchback functions as a segmentation gene in the spider Achaearanea tepidariorum. Current biology : CB, 19 (16), 1333-40 PMID: 19631543

Monday, August 17, 2009

Blog agora tem dois autores!

Caros amigos,
é com grande prazer que anuncio que o blog agora possui um novo autor/colaborador: Rodrigo Fonseca.
Rodrigo é doutor e pós-doutor em Biologia do Desenvolvimento (Embriologia) pela Universidade de Colônia, Alemanha e atualmente professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé - atuando na área de Biologia Evolutiva do Desenvolvimento.
Eu e Rodrigo vamos dividir a tarefa de manter o blog atualizado e de divulgar as descobertas na área da Evo Devo.