Friday, October 30, 2009

"DNA lixo" que não é de se jogar fora!

ResearchBlogging.orgNas últimas 3 décadas aprendemos muito sobre como genes controlam o desenvolvimento embrionário. Uma da lições foi a observação de que, em muitos casos, a mesma proteína de sinalização ou fator de transcrição pode coordenar simultaneamente a formação de diversos órgãos e tecidos do embrião. Alguns exemplos de tais proteínas incluem membros da família de proteínas Wnt, FGF, HH, BMP, etc. Esta constatação acabou gerando um dilema para a biologia evolutiva.

Mutações que modificam a seqüência de aminoácidos de uma proteína, em muitos casos, provocam efeitos deletérios. Além disso, a partir do momento em que a seqüência codificante do gene foi alterada, a nova versão da proteína será produzida em todos os tecidos que esta normalmente atua, podendo impactar o desenvolvimento de uma forma generalizada. Neste contexto, o dilema é: como mutações na região codificadora de proteínas podem afetar a evolução de um órgão, sem alterar a forma/função de outros?

A solução proposta e apoiada por um grupo de pesquisadores que inclui Sean Carroll, Eric Davidson, David Stern e Greg Wray, é que alterações nas seqüência regulatórias de genes, e não na região codificadora, seriam as principais responsáveis pela evolução da expressão gênica e do surgimento de novas morfologias.

Esta proposta, que é atualmente componente central da Evo Devo, é vigorosamente criticada por um grupo de pesquisadores, entre os quais Jerry Coyne e Hopi Hoekstra. Para estes, concluir de que alterações em regiões regulatórias são “mais importantes” para a evolução que alterações na seqüência de aminoácidos é muito prematuro. Em 2007, com um artigo na revista Current Biology, Coyne e Hoekstra citam alguns exemplos de diversas maneiras pelas quais regulação gênica pode evoluir sem alteração em regiões regulatórias. Os autores também enfatizam que existem pouquíssimos estudos (antes, para Coyne, não existia nenhum) que suportem a proposta de Carroll.

Em março de 2008, o Dr. Carroll contra-atacou com um artigo na renomada revista Cell descrevendo um elegante estudo em espécies irmãs do gênero Drosophila, onde a diferença de pigmentação abdominal é resultado da alteração da região regulatória do gene tan. Aqui vai o background do estudo: duas espécies, D. yakuba e D. Santomea, habitam a ilha de São Tomé, na costa oeste da África, tendo divergido há aproximadamente 100 mil anos. Machos da espécie D. Yakuba D. Santomea não possuem pigmentação abdominal. Para descobrir qual gene estaria por trás desta diferença de pigmentação, os pesquisadores mapearam o locustan. Este gene codifica uma enzima que desempenha papéis tanto em pigmentação quanto visão, e mutantes que possuem a versão defectiva do gene tan

Ao analisar a expressão do gene tan, o grupo do Dr. Carroll constatou que D. yakuba produzia normalmente tan mRNA nos segmento abdominais A5 e A6, enquanto que D. Santomea não. Interessantemente, a expressão do gene tan em outros tecidos era normal em ambas espécies. Tal observação é indicativa de alteração em região regulatória.Por esta razão, os pesquisadores buscaram identificar a região regulatória do gene tan responsável pela expressão nos segmentos abdominais A5 e A6. Ao examinar regiões ao redor do gene, os autores puderam identificar um “pedaço” de DNA, o qual chamaram de t_MSE, que ao ser ligado a um gene repórter (eGFP), recapitulava perfeitamente a expressão do gene tan nos segmentos abdominais A5 e A6.

Os autores então produziram moscas da espécie D. Santomea (que não possui pigmento abdominal) onde t_MSE de possuem os segmentos abdominais A5 e A6 com pigmentação escura, enquanto que associado com este fenótipo e, para encurtar a história, voltaram suas atenções para o gene não produzem pigmentos abdominais.
D. melanogaster (que possui pgmentação), conduzia a expressão do gene tan. Resultado: D. Santomea agora produzia tantan no abdômen de moscas D. Santomea havia ocorrido na região regulatória, os autores fizeram o experimento recíproco: t_MSE de D. Santomea, conduzindo a expressão de eGFP, foi inserido em D. Melanogaster. Resultado: nada. t_MSE de D. Santomea simplesmente não mais funciona como região regulatória.

Por fim, o artigo ainda descreve outros experimentos e análises a respeito da evolução destas duas espécies de Drosophila, mas os dados descritos acima ilustram o que me parece inequívoco: na natureza, inúmeros exemplos de tais casos devem existir. A dura tarefa agora é identificar mais destes exemplos onde regiões regulatórias são alvo de mutações que promovem divergências morfológicas. Se este é o modo principal pelo qual espécies divergem morfologicamente ainda não sabemos. Entretanto, estudos como este mostram que mutações em regiões regulatórias podem guiar a evolução morfológica, não somente de forma conjectural em revistas científicas, livros ou em experimentos laboratoriais, mas na natureza.



Coyne JA, & Hoekstra HE (2007). Evolution of protein expression: new genes for a new diet. Current biology : CB, 17 (23) PMID: 18054763

Jeong S, Rebeiz M, Andolfatto P, Werner T, True J, & Carroll SB (2008). The evolution of gene regulation underlies a morphological difference between two Drosophila sister species. Cell, 132 (5), 783-93 PMID: 18329365

Tuesday, October 13, 2009

Entrevista: André Pires da Silva

Caros leitores, o entrevistado de hoje é o Dr. André Pires da Silva, Professor da Universidade do Texas em Arlington. André trabalha com determinação do sexo, estrutura genômica e ecologia de nemátodes. (lab website)

1. O que o levou a realizar uma carreira em Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Durante minha graduação na Universidade de Brasilia, nos mostraram um filme sobre os genes homeóticos. Me fascinou o fato de que mutações em um único gene pudessem dar origem a uma transformação tão radical na mosca de frutas (Drosophila). A Drosophila normal tem duas asas, mas mutações no gene Ultrabithorax faz com que elas desenvolvam quatro asas. Isso sugere de que grandes saltos evolutivos podem ocorrer com poucas mutações. Essa idéia me fascinou muito, porque de acordo com que eu tinha aprendido até então a evolução é um processo bastante lento.

2. Na sua opiniao, qual foi trabalho científico mais importante na Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Acho que o artigo de Ed Lewis em 1978, na Nature, sobre os genes homeóticos. As implicações evolutivas nesse artigo inspiraram muito gente. Foi um dos artigos mais influentes em evo-devo, na minha opiniao.

3. Quais são as perguntas que você gostaria de responder em seu futuro científico?

Acho que uma das perguntas mais fascinantes é de como “novidades morfológicas” aparecem durante a evolução. Novidades morfológicas são aquelas que aparecem praticamente do nada, e que são muito diferentes. Alguns exemplos sao a carapaça da tartaruga, o chocalho da cascavel, e o “neural crest cells” de vertebrados. Será que se tratam de várias mutações ou de poucas? São mutações em partes regulatórias de genes, ou partes codificantes de genes? Que tipo de mutações são? Será que existem genes que tem mais propensidade a regular a evolução de novas morfologias?

4. Quem mais o influenciou na sua carreira científica?

Duas pessoas, o Spartaco Astolfi Filho da UnB e o Ralf J. Sommer, do Max Planck de Tubingen, na Alemanha. O Spartaco me deu a oportunidade de aprender Biologica Molecular numa época em que poucas pessoas no Brasil faziam. O Ralf J. Sommer me ensinou como vender ideias, e como ser bom orientador.

5. O que o levou a realizar sua carreira científica fora do Brasil?

Na época em que eu queria fazer minha pós-graduação não havia praticamente ninguém no Brasil trabalhando com biologia do desenvolvimento usando técnicas moleculares. Recebi a chance de trabalhar num instituto bem reconhecido para meu mestrado, com um dos líderes mundiais na area de biologia do desenvolvimento.

6. Que outra profissão você teria escolhido que não a carreira científica?
Acho que eu seria tradutor.

Tuesday, October 6, 2009

Resenha: Ecological Developmental Biology – Scott Gilbert & David Epel


Estamos começando uma nova seção no blog, uma apresentação de livros interessantes publicados na área de Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo. Temos atualmente uma grande carência de livros de Evo-Devo e Biologia do Desenvolvimento em português. Na verdade eu não conheço nenhum livro-texto de biologia do desenvolvimento traduzido para o português. Aqui não considero livros de Embriologia Humanos utilizados para cursos de graduação da área básica de saúde, que se encontram todos traduzidos. No momento, enquanto essas traduções não acontecem, ou não fazemos nada nesse sentido, faremos comentários de livros publicados em inglês e eu começo pelo livro na área de Eco-Evo-Devo (ou Eco-Devo) publicado este ano e de autoria de Gilbert & Engel.

Li o livro e devo dizer que foi uma experiência bastante prazerosa. Esta obra tem tudo para se transformar em um clássico dessa nova subárea da Evo-Devo, a Eco-Devo que basicamente dá enfoque em como mudanças do meio ambiente (epigênéticas) podem afetar e modificar o desenvolvimento (embriologia) dos diferentes grupos de organismos. Tudo isso buscando entender ao nível molecular e celular estas mudanças. Acho que o enfoque desse livro em epigênese é muito importante, principalmente na biologia atual, em que em vários artigos e livros-texto a contribuição do meio ambiente é reduzida ao mínimo! Nem tudo que acontece durante o seu desenvolvimento está no genoma, sendo esta a principal mensagem do livro.

Modificações da expressão gênica através de metilação de DNA ao longo do desenvolvimento levando a mudanças morfológicas, efeitos de teratógenos durante o desenvolvimento humano e efeitos hormonais responsáveis pelo crescimento de chifres em apenas alguns besouros de uma população, são alguns dos inúmeros exemplos de mudanças que não se encontram previamente no genoma do zigoto, mas ocorrem a partir da interação do organismo com o meio exterior.

Os capítulos finais do livro talvez sejam a melhor parte dele onde a história e os fundamentos filosóficos da biologia do desenvolvimento e da recente Eco-Devo são discutidas. Estes capítulos finais podem ser considerados como um guia de estudos para pessoas interessadas no assunto, uma vez que os tópicos são tratados com bastante profundidade pelos autores que nos anos recentes têm publicado importantes estudos nesta área.

Gostaria de terminar dizendo que não estou fazendo propaganda do livro, só estou dizendo que fiquei positivamente impressionado com ele, acho que é um bom guia para pessoas interessadas no tema, mas acho que para você formar sua própria opinião, discutir, discordar ou concordar seria legal ler o livro e de preferência deixar um comentário no blog!

Grande abraço a todos!