Monday, September 28, 2009

Entrevista: Irene Yan


Caros leitores, a entrevistada de hoje é a Dra. Irene Yan, chefe do Laboratório de Embriologia Molecular de Vertebrados do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento -USP.


1. O que o levou a realizar uma carreira em Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

O meu interesse por biologia do desenvolvimento surgiu no final do meu doutorado. Minha tese era focada na apoptose neuronal. Depois de passar tantos anos estudando a morte neuronal eu estava curiosa para conhecer o outro lado da moeda: como neurônios eram gerados.

2. Na sua opiniao, qual foi trabalho cientifico mais importante na Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Tradicionalmente, todos reconhecem que o transplante do blastóporo dorsal de Spemann e Mangold é certamente um dos alicerces da Biologia do Desenvolvimento, uma vez que a partir daí a abordagem mecanística dentro da Embriologia passou a ser mais valorizada. Contudo, eu também acho que os trabalhos clássicos de Roux, Driesch e outros desta época contribuíram para esta visão "experimental". Enfim a minha opinião é que, assim como em outras áreas da ciência, não existe um único trabalho que seja O Trabalho.

3. Quais as vantagens e desvantagens de se fazer Biologia do Desenvolvimento no Brasil?

A Biologia do Desenvolvimento é uma área de pesquisa multidisciplinar que integra biologia celular, bioquímica, genética, zoologia, botânica e outras. Esta visão integrativa provém das perguntas que a Biologia do Desenvolvimento apresenta, a nível de organismo completo. Eu considero este momento ideal para a expansão desta área na comunidade científica. Nós já temos massa crítica e capacitação nestas áreas separadas e por conseguintes, várias oportunidades para colaboração. Sem mencionar que o Brasil tem uma fauna e flora riquíssima que permite análises evo-devo que não ao alcance de outros países. Contudo, a principal desvantagem que enfrentamos é a desconfiança de que esta área de pesquisa irá "desbancar" as outras áreas. Isto cria uma resistência desnecessária entre os pesquisadores já estabelecidos e dificulta o diálogo entre o nosso grupo de pesquisa e outros.

4. Quais sao as perguntas que voce gostaria de responder em seu futuro científico ?

São várias. Mas todas na área de neurogênese. Se você for considerar, a riqueza funcional do sistema nervoso provém em grande parte da sua diversidade celular. E, todas as células neurais vêm de um único folheto. Isto em si só já é fascinante. Obviamente, que não estamos nem perto de desvendar um iota desta questão. O que é ótimo, porque terei o que fazer até me aposentar.

5. Quem mais o influenciou na sua carreira científica?

Eu diria, sem nenhuma intenção de puxa-saquismo, meu orientadores. De Iniciação Científica até o Pos-doutorado. Mas se estiver que escolher um, diria que foi o Lloyd Greene.

6. Que outra profissao voce teria escolhido que nao a carreira cientifica?

Eu semprei quis trabalhar na Vila Sésamo. O mais perto que cheguei foi passar pela porta do estúdio deles quando estava em NY. Mas se me oferecerem para trabalhar na Vila Sésamo hoje em dia, não garanto que não largue tudo e vá correndo. Depois de me certificar que o atual pessoal no lab esteja bem arranjado, é claro.

Monday, September 21, 2009

Seja a assimetria do seu coração ou a de uma concha, o gene é o mesmo: Nodal


ResearchBlogging.orgEm vertebrados, o gene nodal é expresso no lado esquerdo do embrião e participa no processo que determina a assimetria interna dos órgãos. Genes homólogos ao Nodal (ortólogos) já haviam sido identificados em outros deuterostômios como ascídeos e ouriço-do-mar, mas nunca em membros dos outros dois grupos de bilateria (ecdysozoa – incluindo artrópodes e nemátodos; e lophotrochozoa – incluindo moluscos e anelídeos).

Acreditava-se, portanto, que o gene nodal havia surgido em um ancestral na linhagem dos deuterostômios. Principalmente tendo em vista que o nodal parece não estar envolvido em produzir assimetrias em Drosophila e Nemátodos. Estas observações, entretanto, não inibiram a Dr. Cristina Grande, trabalhando na UC Berkeley com o Dr. Nipam Patel, de buscar pelo gene Nodal em caracóis.

Caracóis são moluscos da classe gastrópoda, que possuem conchas espiraladas para a direita (dextra) ou para a esquerda (sinistra). Grande e Patel focalizaram seus estudos em 2 espécies: uma de concha sinistra (Biomphalaria glabrata) e outra de concha dextra (Lottia gigantea).

E o que descobriram depois foi fantástico: ambas as espécies possuem o gene nodal e também outro gene, chamado pitx, cujo ortólogo pitx2 também faz parte da via de sinalização que determina lateralidade em deuterostômios. E mais: a espécie dextra (L. gigantea) produz o gene nodal somente no lado direito do embrião, enquanto que a espécie sinistra (B. glabrata) produz nodal no lado esquerdo (foto acima). O mesmo acontece com o gene pitx.

Encontrar o genes nodal e pitx, descobrir que estes são expressos assimetricamente e que existe uma correlação do lado no qual o gene é expresso e a orientação da espiral da concha é um grande achado, porém não prova que o gene nodal é necessário para a formação assimétrica da concha. Para isso, seria necessário inibir a função deste gene durante o desenvolvimento.

E foi isso que Grande e Patel fizeram, usando um inibidor da via de sinalização Nodal, comumente usado em vertebrados: SB-431542. O resultado deste experimento também é surpreendente: os embriões formaram conchas tubulares sem espiral (foto acima)!

Os resultados encontrados por Grande e Patel, publicados este ano na revista Nature, não somente esclarecem o processo de geração da assimetria da concha em caracóis, mas também sugerem que utilização da via Nodal para produzir assimetrias anatômicas estava presente no ancestral comum de todos os bilatérios.

Grande C, & Patel NH (2009). Nodal signalling is involved in left-right asymmetry in snails. Nature, 457 (7232), 1007-11 PMID: 19098895

Monday, September 14, 2009

Entrevista: Helena Araújo

Caros leitores,
a entrevistada de hoje é a Dr. Helena Maria Marcolla Araújo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular e do Desenvolvimento, no Instituto de Ciências Biomédicas/UFRJ.

1. O que a levou a realizar uma carreira em Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Sempre me interessou compreender qual o código utilizado para transformar uma única célula totipotente num organismo complexo. Durante meu doutorado fiz algumas análises ao longo do desenvolvimento de murinos. Meu primeiro contato com a área ocorreu durante meu estágio sanduiche no Collége de France, onde assisti a uma palestra de Andrew Lumsden. Me encantou a beleza dos ensaios realizados no organismo íntegro. Ao final de meu doutorado eu ansiava trabalhar com um modelo que me permitisse fazer ensaios in vivo. Foi uma feliz coincidência conhecer Ricardo Guellerman Ramos no IBCCF, com quem estabeleci uma colaboração trabalhando em Drosophila. Esta experiência definiu minha escolha para o pós-doc e para o meu futuro como coordenadora de pesquisa em Biologia do Desenvolvimento.

2. Na sua opinião, qual foi trabalho científico mais importante na Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Na raiz da BD estão os trabalhos de Cristianne Nusslein Volhard, Eric Wiechaus e Ed Lewis. Utilizando Drosophila melanogaster como modelo eles identificaram mutações que alteravam a organização do corpo do animal. Foram eles que definitivamente mostraram que era possível identificar genes responsáveis por codificar padrões corporais. Antes não se acreditava que um único gene pudesse ter efeitos tão drásticos. O grande insight destes pesquisadores foi associar a Genética, a Embriologia e a nascente Biologia Molecular para investigar questões fundamentais do desenvolvimento animal. Seus achados revolucionaram a Embriologia e a Genética. Sua forma de investigar influenciou não apenas a pesquisa em Drosophila, mas também em modelos futuros como Zebrafish e Arabidopsis. Não admira eles terem ganho o prêmio Nobel de Medicina de 1995.

3. Quais as vantagens e desvantagens de se fazer Biologia do Desenvolvimento no Brasil?

A maior vantagem é que esta área é nova no Brasil. A maior desvantagem é que a área é nova no Brasil. Ou seja, é grande a excitação por parte dos alunos, que fazem uma série de novas descobertas pessoais simplesmente por entrar em contato com pesquisa na área. Isto preenche nossos laboratórios com pessoas motivadas e cheias de gás. Por outro lado, a BD tem uma forma específica de pensar e trabalhar a ciência, sempre procurando os mecanismos por trás de processos do desenvolvimento. Estas pesquisas tomam tempo, o que não é bem conhecido e compreendido aqui no Brasil. A pressão pela publicação de trabalhos parciais, que não são bem aceitos em BD, é grande. Mas estamos trabalhando esta parte, procurando com os encontros bienais do núcleo de Biologia do Desenvolvimento formar uma comunidade forte em BD, disseminando e fortalecendo esta pesquisa no Brasil. Aliás, este ano temos mais um Simpósio, em Taubaté, SP (veja www.uftm.edu.br/sibd) .

4. Quais são as perguntas que você gostaria de responder em seu futuro científico ?

Primeiramente, me interessa entender como os organismos lidam com “redes regulatórias”, ou seja, como eles traduzem um grande número de informações que convergem sobre a regulação de um mesmo evento. Estamos fazendo esta análise para o fator de transcrição Dorsal, da família NfkappaB, que é ativado no citoplasma pelo receptor Toll e inibido por uma via paralela envolvendo uma BMP. Ao compreendermos o resultado da combinatória destes dois sinais podemos começar a incrementar nossa análise, levando em conta um maior número de sinais que convergem sobre o mesmo fator de transcrição. A segunda pergunta, de cunho mais evolutivo, é compreender como são construídos os genes pleiotrópicos. Tem-se como hipótese que é econômico para os organismos utilizar um mesmo gene várias vezes ao longo de seu desenvolvimento e fisiologia, o que requer a aquisição de novas sequências regulatórias ao longo da evolução, mas não exige a aquisição de um gene inteiramente novo. A princípio estas sequências regulatórias são independentes e sofrem diferente pressão seletiva. Gostaria de testar se isto realmente é verdade ou se existem “constraints” adicionais quando se trata de um gene pleiotrópico versus um que é expresso de forma mais pontual.

5. Quem mais a influenciou na sua carreira científica?

Difícil falar de influências, já que somos construídos de fragmentos de experiências ao longo dos anos. No entanto, meu supervisor de pós-doutorado, Ethan Bier, foi uma influência importante. Seu lema “data ipsis loquitur” ou “let the data speak”, nos mostra a importância do rigor científico e a busca de abordar um problema de todos os ângulos possíveis. De uma forma menos pessoal, publicações de certos pesquisadores também impactam na forma como pensamos. Admiro os trabalhos de Sean Carroll, que além de excelente cientista é um ótimo divulgador. Finalmente, não posso deixar de dizer que ainda hoje sou influenciada pelo trabalho de colegas cientistas, principalmente aqueles que me mostram que se pode fazer pesquisa de excelente qualidade no Brasil. Entre os mais jovens, merecem destaque o geneticista Bernardo Carvalho e o biologista do desenvolvimento José Xavier Neto.

6. Que outra profissão voce teria escolhido que nao a carreira científica?

Antes de mais nada, eu adoro o que faço! Realmente me divirto. Mas quando me preparava para fazer o vestibular eu tinha dúvidas entre me dedicar a àrea biológica ou arquitetura. Era o meu lado artístico brigando com minha vertente investigativa. Hoje satisfaço essa necessidade pintando. Mas acredito que também busco beleza na minha pesquisa. Nada me deixa mais feliz do que uma bela imagem de um embrião, cheia de significado científico!

Monday, September 7, 2009

Desvendando o que Darwin não sabia (e nem poderia)


ResearchBlogging.orgEste ano está sendo especial para pessoas interessadas em evolução, pois é o aniversário de 150 anos da publicação do livro "A Origem das Espécies” de Charles Darwin. Na sua extensa obra-prima, Darwin discute o mecanismo de seleção natural como força motriz da evolução. O que Darwin não sabia e nem poderia saber naquela época é como as populações divergem para dar origem a novas espécies, particularmente como tal processo ocorre a nível molecular. O laboratório da pesquisadora Hopi Hoekstra (Universidade de Harvard) acaba de publicar um estudo buscando responder essa questão.

Nos últimos anos, cientistas da área de Biologia Evolutiva do Desenvolvimento têm se dedicado a entender os mecanismos moleculares responsáveis por adaptações a um determinado ambiente. Estas mudanças a nível de DNA (genótipo) são responsáveis por mudanças no organismo que podem ser observadas (fenótipo).

Existem dois grandes problemas para identificar mudanças no DNA responsáveis por adaptações. O primeiro deles é encontrar características que sejam sem dúvida alguma adaptativas, isto é, características que sejam visivelmente distintas entre indivíduos da mesma espécie e que confiram vantagem(s) a um determinado indivíduo (ou grupo) em relação a outro num determinado ambiente. Este primeiro problema foi facilmente resolvido no presente estudo, pois Hoekstra e colaboradores utilizaram camundongos que possuiam pêlos de cores claros e escuros e que viviam em montanhas com areias brancas e escuras, respectivamente (Foto). Sabe-se há muitos anos que camundongos de pele clara, quando colocados em áreas escuras são mais visíveis a predadores como corujas. O mesmo acontece com camundongos escuros quando colocados em montanhas claras. Um dos principais achados do artigo é que os camundongos claros e escuros são diferentes devido à produção de dois pigmentos. Camundongos de pêlo claro têm seus melanócitos (células produtoras de pigmento) produzindo a substância clara feo-melanina, enquanto camundongos de pêlo escuro produzem a substância escura eumelanina. Esta distinção faz com que camundongos de pêlo claro consigam refletir muito mais a luz que camundongos de pêlo escuro e tem caráter adaptativo.

O segundo problema é mais difícil de ser resolvido. Este problema é o de identificar quais mudanças no genoma dos camundongos (DNA) são responsáveis pelas mudanças na cor do pêlo ao longo da evolução. Achar essas diferenças no DNA sem nenhuma pista seria como achar uma agulha num palheiro. Hoekstra e colaboradores então se utilizaram de uma pista. Eles sabiam que um gene chamado Agouti está envolvido, em camundongos de laboratório, na regulação da produção de feomelanina, logo este gene seria um candidato natural para explicar a variação. Usando várias técnicas genéticas e moleculares foi determinado que, de fato, mudanças na regulação (quantidade) do gene Agouti estão envolvidas na diferença da cor do pêlo claro e escuro. Além disso, foi encontrada uma deleção (perda) de um aminoácido na população de camundongos com pêlo claro se comparado com camundongos de pêlo escuro, sugerindo que uma mudança na região que dá origem à proteína (codificante) também ocorreu. Como os próprios autores reconhecem, não está claro qual a contribuição de cada uma destas modificações, codificante ou não-codificante, para a mudança da cor do pêlo nestas populações. Esta questão deverá ser abordada em estudos futuros.

Para finalizar, os pesquisadores demonstram através de testes clássicos de genética de população que as mudanças no DNA encontradas nos camundongos claros atuais ocorreram depois da formação das montanhas de areia branca, que ocorreu há 10.000 anos. Estes resultados vão contra recentes estudos que propõem que caracteres adaptativos são selecionados a partir da variação genética já existente em populações. Mas essa discussão eu deixo pra outro post....O importante aqui é dizer que foi descoberto algo que Darwin não sabia (e nem poderia)...

Linnen CR, Kingsley EP, Jensen JD, & Hoekstra HE (2009). On the origin and spread of an adaptive allele in deer mice. Science (New York, N.Y.), 325 (5944), 1095-8 PMID: 19713521