Thursday, December 23, 2010

BD itinerante – Parte 3 – Joao Pessoa, Paraíba




O curso itinerante de Biologia do Desenvolvimento continuou sua jornada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em Joao Pessoa onde fomos ciceroneados pelo Prof. Luiz Fernando Marques-Santos coordenador do único Laboratório de Biologia do Desenvolvimento dessa instituição.

Dessa vez tivemos um curso diferente uma vez que alunos de graduação da UFPB a maior parte deles alunos de inicia
ção cientifica do Prof. Luiz Fernando foram nossos alunos na última parte de nossa jornada. Devo em muito agradecer estes alunos que tiveram muita empolgação em aprender os conceitos ministrados durante o curso.

Descobri também que estes alunos tem uma disciplina obrigatória na gradu
ação de biologia molecular do desenvolvimento, uma exceção em nosso país. Parabéns ao Luiz Fernando pelo seu esforço em organizar o curso e nos ciceronear e a todos os alunos que sem dúvida nenhuma em muito engrandeceram o curso. Acho que a experiência de levar a biologia do desenvolvimento para outros lugares do Brasil foi muito engrandecedora...E sem dúvida vamos sentir muita saudade do Nordeste...



Sunday, December 12, 2010

BD itinerante – Parte 2 – Teresina, Piauí

O Curso de Biologia do Desenvolvimento Itinerante continuou seus passos na cidade de Teresina, Piauí no Departamento de Morfologia da Universidade Federal do Piauí. Nossa jornada nessa Universidade foi bastante intensa com o nosso curso ocorrendo de forma compacta em 2 dias ao invés de 3 dias como em Fortaleza. Assim mesmo, todas as aulas práticas funcionaram muito bem com destaque para o desenvolvimento dos embriões de galinha que dessa vez se desenvolveram muito bem aqui em Teresina graças à chocadeira provida pelo Prof. Aírton Mendes Condedo Departamento de Morfologia da UFPI. Abaixo temos o Prof. José Marques Brito (UFRJ-PCM) mostrando a vasculogênese em formação no ovo de galinha em uma de suas aulas práticas.

O grande acolhimento que tivemos em Fortaleza se repetiu aqui em Teresina uma vez que a Profa. Ludmila Tolstenko atuou como uma excelente cicerone no Piauí e contamos com o total apoio da Chefe do Setor de Histologia e Embriologia a Prof. Zulmira Lúcia Oliveira Monte. Muito obrigado a todos os alunos, muitos deles na verdade professores, da Morfologia da UFPI que tanto se dedicaram para as práticas do nosso curso funcionarem.

Assim partimos a terceira e final parte da nossa jornada pelo Nordeste do Brasil levando as nossas práticas de biologia do desenvolvimento para João Pessoa Paraíba num longo dia de viagem partindo de Teresina, Piauí. Teresina sem dúvida nenhuma vai deixar saudade nos nossos corações.

Thursday, December 9, 2010

Biologia do Desenvolvimento (BD) Itinerante Parte I – Fortaleza




É com grata satisfação que volto a escrever no blog num momento fascinante da minha vida acadêmica. No meio do ano fui chamado pelo Prof. José Garcia Abreu (UFRJ) para participar de um projeto inovador de levar a Biologia do Desenvolvimento e a Biologia Evolutiva do Desenvolvimento para outras áreas do Brasil fora do eixo Sudeste-Sul. Este desafio surgiu e foi estimulado pelo Encontro dos Alunos de Biologia do Desenvolvimento em Macaé que organizamos e que já postamos no blog.

Durante os primeiros 15 dias do mês de dezembro estivemos de 03 a 05 em Fortaleza, Ceará, entre 08 e 11 em Teresina, Piauí e entre 12 e 15 em João Pessoa, Paraíba onde cursos práticos ministrados pelos Prof. José Garcia Abreu (Xenopus, anfíbios), Prof. José Marques Brito (galinha) e por mim, Rodrigo Fonseca (artrópodes, Evo-Devo). A aluna de doutorado Alice Reis é engrenagem fundamental nesse curso, atuando como monitora de todos os animais vertebrados e invertebrados mostrados na prática.

Estes cursos têm como objetivo de estimular o ensino da biologia do desenvolvimento pelo país e a entrada de novos pesquisadores nessa área fascinante. Na primeira parte estivemos em Fortaleza, Ceará e contamos com uma turma de 20 alunos, na verdade a maior parte deles professores de Embriologia e Histologia de Universidades Federais do Nordeste Brasileiro.

Nesse primeiro ponto da nossa jornada (Fortaleza, 03 a 05 de dezembro) tivemos o imenso prazer de contar com alunos extremamente interessados em aprender a biologia do desenvolvimento e todo o apoio logístico dos Professores (Profa. Eliane e Profa. Gerly de Brito) e do corpo técnico do Depto. de Morfologia da UFC. Esperamos que a “semente” da biologia do desenvolvimento tenha sido plantada em cada um desses alunos multiplicadores do conhecimento no país.

Esse curso só foi possível devido ao apoio do Prof. Vivaldo Moura Neto (ICB/PCM/UFRJ) e da Cátedra de Biologia da Forma e do Desenvolvimento (UNESCO), do fomento da CAPES e do apoio logístico da empresa Leica, que está montando estações de observação nestas três universidades do Nordeste, contando inclusive com câmeras de alta resolução capaz de captar imagens de alta-qualidade como as mostradas abaixo, no caso ovaríolos da mosca-da-fruta, Drosophila melanogaster.


Por enquanto é isso de Fortaleza, em breve mando um resumo de Teresina, Piauí e depois de João Pessoa, Paraíba. Abraços a todos os alunos desse curso maravilhoso que tanto nos motivaram.

Wednesday, November 17, 2010

Os dinossauros de Paul Sereno

Hoje em dia qualquer museu de história natural tem seu gift shop tomado de pequenos dinos de pelúcia e ao fim do passeio, crianças e jovens tem a certeza de que quando crescerem querem ser paleontólogos (em outras palavras; caçadores de fósseis de dinossauros). A paleontologia é muito mais que os populares dinossauros, mas quando você se depara com um fóssil de um fêmur de 1,5 metros de comprimento, a sensação é de que há de fato algo de mágico a respeito destas criaturas.

Ontem fomos com alguns colegas de trabalho visitar o Fossil Lab de um dos mais famosos "caçadores de dinos" da história, Paul Sereno. Seu lab fica a apenas uma quadra e meia do nosso, aqui na Universidade de Chicago, em um prédio ordinário, cujo exterior não revela qualquer pista dos tesouros que este abriga.

Por dentro, boa parte do prédio é oco como um grande armazém, e caixas enormes decoram o interior. Na segunda entrada à direita, uma placa anuncia: "Fossil Lab - Research Collection and Preparation". Já de câmeras a postos, aguardamos do lado de fora enquanto nossa ilustradora de fósseis Kalliopi Monoyios, toca a campainha. Nosso cicerone por boa parte do passeio é Tyler Keillor, especialista em reconstrução paleontológica. A primeira impressão ao entrar no Fossil Lab é de que nada lá é pequeno: caixas fechadas ou parcialmente abertas, rochas cobertas com uma camada espessa de gesso ou parcialmente descoberta, revelando pedaços de rocha e osso - tudo tem pelo menos 1 metro cúbico.
Ao longo do passeio Tyler nos mostra fragmentos de dinossauros, garras do tamanho do meu antebraço e outra variedade de fósseis sendo revelada pela equipe de pelo menos 4 preparadores. Tyler nos informa que não podemos bater fotos de tudo pois muita coisa ali ainda não foi descrita na literatura, mas incluo aqui uma foto do crânio do crocodilo gigante (Sarcosuchus), quase engolindo a adorável Dra. Patrícia Schneider. Sarcosuchus foi descrito por Paul Sereno em 2001, na revista Science e você pode encontrar mais informções no site da National Geographic, que gerou um programa dedicado ao super croc (when crocs ate dinosaurs - quando crocodilos comiam dinossauros!!).
 No segundo andar do Fossil lab, Tyler e colaboradores transformam ossos em arte: lá, crânios, moldes de silicone sustentados por fibra de vidro, resina epoxi e talento artístico se combinam para gerar modelos tridimensionais de cabeças de dinossauros tão realistas quanto as celebridades de cêra de Madame Tussauds. Lá também pude tirar uma foto com um fêmur de Jobaria, um saurópode de 135 milhões de anos que me esmagaria com uma abanada de rabo. Este foi descrito por Sereno em 1999 na Science.
Segue aqui um link para o website do Fossil Lab. Lá você poderá encontrar mais informações sobre o trabalho do grupo e também fotos do lab e das expedições. Enquanto isso volto eu para o Shubin Lab, tentando me convencer de que meus minúsculos embriões e microscópicas moléculas também são incríveis e que tamanho não é documento...

Tuesday, October 12, 2010

Exemplos de animais híbridos: a mula, o homem...?!

 De acordo com Michael Ruse (autor de The Evolution-Creation Struggle): "De todos os cientistas no mundo de hoje, não há ninguém com quem Charles Darwin gostaria de passar um fim de tarde junto mais do que Sean Carroll".

Não tive uma tarde com ele, mas senti-me extremamente honrado com os poucos minutos que tive para contá-lo sobre a pesquisa que tenho feito, durante sua visita ao nosso laboratório. Na foto acima sou eu, muito bem acompanhado de Neil Shubin (esquerda) e Sean Carroll (direita).

E por ocasiao de sua visita, aqui segue o link para a matéria que Dr Carroll escreveu recentemente no jornal New York Times. Vale muito a pena conferir! A matéria também encontra-se disponível em versão traduzida para português.

Nesta, Dr. Carroll discute o papel de híbridos no reino animal. Alguns exemplos incluem filhotes híbridos de golfinho e baleia, de diferentes espécies de ursos, de zebra e cavalo, de bisão e boi, etc. Estes híbridos atraem a curiosidade daqueles que os veem em zológicos ou em parques, mas muitos (inclusive biólogos) interpretam estes eventos de hibridização como meras aberrações ou acidentes no processo evolutivo.

Entretanto, Dr. Carroll discute dois experimentos envolvendo espécies de girassóis e abelhas que indicam que eventos de hibridização podem levar a especiação, particularmente quando híbridos são capazes de ocupar nichos que as espécies parentais não são.

Dr. Carroll sugere que a hibridização pode ocorrer na natureza em frequência maior do que se imagina e chama atenção para estudos recentes que suportam uma hipótese mais provocativa: nossa espécie seria resultado de um evento de hibridização!

As primeiras análises de curtas sequências de DNA Neandertal não indicavam que qualquer hibridização com humanos modernos tivesse ocorrido. Entretanto, em maio deste ano o grupo liderado pelo Dr. Svante Paabo analisou mais de 60% do genoma Neanderthal e demonstrou que algo entre 1 a 4% do genoma de europeus e asiáticos, mas não de africanos, foi contribuição direta da mistura de Neandertais e Homo sapiens!

Nas palavras do Dr. Carroll: "as barreiras entre espécies não são necessariamente abismos vastos e intransponíveis; as vezes podem ser transpostos, obtendo resultados maravilhosos".

Friday, October 1, 2010

Biologia do Desenvolvimento na UFRJ/Macaé



Texto original no site do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ
Por Alice Reis, Marcio Buffolo e José Garcia Abreu

Entre os dias 16 e 19 de setembro, aconteceu o IV Encontro de Alunos de Biologia do Desenvolvimento (EABD) no campus da UFRJ em Macaé. As edições anteriores haviam sido realizadas em São Paulo. O encontro tem como missão integrar os estudantes e pesquisadores de diversos estados, promovendo um intercâmbio de ideias e conhecimentos entre as diversas linhas de pesquisas realizadas no Brasil em Biologia do Desenvolvimento.

Pela primeira vez o EABD aconteceu no Rio de Janeiro e no pólo UFRJ-Macaé. O formato deste encontro sempre foi baseado em apresentações de projetos em mesas redondas de alunos com pesquisadores, além de palestras dos pesquisadores convidados. Nesta quarta edição, o EABD tomou um novo formato, oferecendo cursos totalmente “hands-on” em diferentes modelos biológicos utilizados em pesquisa no campo da Biologia do Desenvolvimento Brasileira.

O curso foi realizado no Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Socioambiental de Macaé (NUPEM/UFRJ), que possui todas as instalações necessárias para o funcionamento do encontro em regime de internato, sendo possível manter um alto nível de interação entre alunos e pesquisadores. Graças à estrutura única do NUPEM alunos e professores hospedaram-se no local onde ficam os laboratórios e onde foram realizadas aulas práticas, sem a necessidade de deslocamento. A ocupação deste espaço se deu fundamentalmente através da generosa recepção do Professor Francisco Esteves, diretor geral do NUPEM, e do professor Rodrigo Fonseca, cujo laboratório de pesquisa está no NUPEM. O encontro contou com a participação de alunos de iniciação científica e pós-graduação da UFRJ – Fundão, UFRJ – Macaé, UENF- Campos, FIOCRUZ e USP.

Pesquisadores e alunos ministraram os cursos. Todos os alunos puderam manipular e realizar diferentes práticas com os modelos demonstrados, como a rã Xenopus laevis, onde os alunos puderam observar e praticar experimentos clássicos de dissecção dos embriões e fazer análise fenotípica. Também foi possível aprender técnicas de eletroporação em embriões de galinha e o cultivo in vitro desses embriões. O curso também ofereceu práticas com embriões de modelos invertebrados, como a mosca da fruta Drosophila melanogaster, o mosquito Aedes aegypti, o besouro Tribolium castaneum e carrapatos.

Os alunos vivenciaram práticas de estagiamento embrionário, de fixação e dissecção, além de colorações de rotina. Foi possível observar vantagens e desvantagens de cada modelo e suas aplicabilidades. No mesmo contexto de aulas práticas, também foi oferecido um curso de bioinformática, onde os alunos tiveram a oportunidade de conhecer conceitos básicos e métodos empregados em análise filogenética de sequências gênicas e proteicas.

EABD deu a oportunidade de manipulação de embriões a todos os participantes, enriquecendo o conteúdo previsto e obtendo total aproveitamento e participação dos alunos. As mesas redondas permitiram a discussão de projetos e a integração dos alunos, que expuseram suas deficiêcnias e buscaram soluções, discutindo ciência de maneira informal. Atividades como essa devem ser estimuladas não só em Biologia do Desenvolvimento, mas também em outras áreas, favorecendo o crescimento dos futuros pesquisadores brasileiros. Para tal, o apoio dos órgãos de fomento é essencial.

O IV EABD foi realizado com o apoio do Programa de Ciências Morfológicas do ICB da UFRJ, do NUPEM/UFRJ, particularmente o laboratório integrado de Bioquímica Hatsaburo Masuda e do convênio ICB – UFRJ - Banco do Brasil. Os organizadores do encontro foram os alunos Alice Helena dos Reis (Doutorado, PCM) e Marcio Buffolo (IC-UFRJ).

Monday, September 6, 2010

Evolução, Desenvolvimento e o Genoma Previsível



Nesse post volto a fazer a resenha de um livro, que infelizmente, não possui tradução em portugues, o livro Evolution, Development and the Predictable Genome (Roberts and Company Publishers - ISBN-13: 978-1-936221-01-1). O livro escrito por David Stern, investigador do Huward Hughes Medical Institute (HHMI) e da Universidade de Princeton pode ser considerado um marco na área de biologia evolutiva do desenvolvimento (Evo-Devo).

David é um grande pesquisador da área de Evo-Devo e vem publicando artigos em revistas de alto impacto sobre a evolução de novas estruturas morfológicas em particular no surgimento de cerdas em larvas de diferentes espécies de moscas-da-fruta.

Neste livro David Stern faz uma excelente integração entre genética de populaçoes e a biologia do desenvolvimento, os mecanismos genéticos responsáveis por geração de novas morfologias, numa linguagem bastante acessível. Particularmente interessante, David discorre sobre a pergunta se a natureza molecular das modificacoes responsáveis pela diferença entre os grandes grupos (Filos, Ordens) seriam as mesmas que ocorrem entre populações que estão em processo de divergência.

David termina o livro com um capítulo bastante interessante que discursa sobre a estrutura das redes regulatórias gênicas (gene regulatory networks - GRN em inglês) e a possilidade de surgimento de novidades morfológicas. David argumenta que alguns genes sao mais "especiais" (hot-spots) que outros pela sua posicao em uma rede regulatória. Afetar a regulação destes genes seria o caminho mais provável para se obter uma inovação morfológica, daí o "Predictable Genome" do título do livro.

Muitos experts vão dizer que não existem tantos exemplos assim de genes especiais em tantos processos de desenvolvimento descritos, mas acho que David arrisca bem...só o futuro, com a busca de mais exemplos e mais estudos, dirá se ele estava certo...

Tuesday, August 24, 2010

O mais antigo registro de vida animal no planeta

Acredita-se que entre 1 bilhão e 542 milhões de anos atrás, nosso planeta passou por pelo menos dois períodos de glaciação global, nos quais esteve completamente coberto de gelo. A hipótese, chamada de Terra bola de neve (snowball earth), ajuda também a explicar a ausência de fósseis de organismos multicelulares mais antigos que 600 milhões de anos atrás, assim como a "explosão" de formas multicelulares que ocorreu logo após este período de glaciação, conhecida como a explosão do cambriano.

O registro fóssil mais antigo de vida animal ocorre já no fim da última grande glaciação: uma esponja chamada Paleophragmadictya. Portanto, poucos cientistas estariam sequer dispostos a procurar por fósseis animais (e gastar seus recursos de pesquisa) em rochas mais antigas que 650 milhões de anos. Dificilmente um organismo multicelular sobreviveria a Terra bola de neve.

Porém, com ajuda da fundação americana de ciência (National Science Foundation), o grupo liderado pelo Dr. Adam Maloof, da universidade de Princeton, resolveu seguir para a Austrália e embarcar nesta ingrata tarefa de procurar por sinal vida animal onde niguém jamais encontrou.

E, ao que tudo indica, a empreitada rendeu dividendos: em forma de esponja!

Na edição de 17 de agosto da revista Nature Geosciences, Maloof e colaboradores descrevem o que acreditam ser fósseis de esponjas de 650 milhões de anos atrás. Os autores utilizam softwares de computação gráfica para reconstruir modelos tri-dimencionais dos fósseis. Como resultado, eles puderam observar vários canais internos assimétricos e câmaras semelhantes aquelas encontradas em esponjas modernas. Os fósseis ainda estão sob olhar crítico da comunidade científica e a ausência de outras características típicas de esponjas como espículas fossilizadas estão sendo debatidas.

De qualquer forma, se o achado de Maloof e colaboradores estiver correto, ao menos alguns dos mais antigos animais sobreviveram a glaciação global. Alternativamente, a glaciação não foi tão severa quanto se acredita e a terra não se tornou uma bona fide bola de neve.

Algo que acho válido ressaltar a respeito deste post e do anterior sobre a publicação do genoma da esponja Amphimedon queenslandica: a pesquisa biomédica tem como foco a cura de doenças e a busca por melhor qualidade de vida para a humanidade. Muito legal né? Mas notem o quanto podemos aprender a respeito da historia do nosso planeta e nossa própria história apenas estudando esponjas? Na minha opinião, muito mais legal! Quem somos, de onde viemos e para onde vamos? Você não encontrará resposta para essas perguntas no New England Journal of Medicine.

Monday, August 9, 2010

Os segredos da multicelulariedade animal: O genoma das esponjas


ResearchBlogging.org

Na edição dessa semana da conceituada revista Nature foi publicado o genoma da espécie de esponja Amphimedon queenslandica trazendo importantes informações a cerca das seqüências de DNA encontradas nesses organismos na base da cadeia evolutiva dos animais.

Esponjas são animais que não são muito de se mover (nem tudo que não se mexe é planta) e que vivem em nosso planeta há mais de 600 milhões de anos. Estes organismos guardam importantes segredos sobre como nossa organização celular evoluiu, isto é, como controlamos a proliferação a diferenciação das nossas células sem gerar processos de divisão desordenados, como o câncer por exemplo.

E o que o genoma das esponjas traz de novo e porque foi de grande importância desvendá-lo? Ao comparar o genoma da Amphimedon com o de organismos mais complexos como nós e com organismos mais simples como o coanoflagelado unicelular Monosiga pôde-se descobrir o que é comum e diferente entre estes organismos.A partir desta análise o artigo reporta que várias moléculas importantes para o controle do ciclo celular e para a comunicação célula-célula estão presentes nos genomas desta esponja e ausentes no genoma do coanoflagelado Monosiga, um representante unicelular. Aparentemente o advento de organismos mais complexos está ligado ao aparecimento de novos genes na cadeia dos animais e em novas interações que começaram 600 milhoes atrás com o nosso ancestral comum com as esponjas.

Mas como tudo na ciência novas perguntas se abrem a partir do presente estudo. Saber como esses genes importantes para a multicelulariedade atuam nas esponjas é uma delas....Mas como os próprios autores mencionam as esponjas não são organismos fáceis de lidar e de se cultivar em laboratório, a espécie cujo genoma foi seqüenciado, por exemplo, fica no oceano australiano.....é chegado o momento de mergulhar....



Srivastava M, Simakov O, Chapman J, Fahey B, Gauthier ME, Mitros T, Richards GS, Conaco C, Dacre M, Hellsten U, Larroux C, Putnam NH, Stanke M, Adamska M, Darling A, Degnan SM, Oakley TH, Plachetzki DC, Zhai Y, Adamski M, Calcino A, Cummins SF, Goodstein DM, Harris C, Jackson DJ, Leys SP, Shu S, Woodcroft BJ, Vervoort M, Kosik KS, Manning G, Degnan BM, & Rokhsar DS (2010). The Amphimedon queenslandica genome and the evolution of animal complexity. Nature, 466 (7307), 720-726 PMID: 20686567

Friday, July 30, 2010

Pax-6 e a origem dos olhos


A biologia da evolução e do desenvolvimento (Evo-devo)  é um campo aberto de pesquisa que oferece diversos "problemas" biológicos a serem resolvidos. Alguns problemas, porém, recebem atenção especial. Um deles é a origem dos olhos.

Charles Darwin já o descreveu como um órgão de extrema perfeição e a turma do contra (contra-senso) costuma usá-lo como exemplo de um órgão tão complexo que não poderia ter outra origem que não a intervenção divina.

Para biólogos, resolver se os olhos evoluiram ou não é um problema sem graça, pois já foi resolvido há muito tempo (mais informações em Shubin et al., 2009, Nature). Um problema interessante é saber se todos os olhos complexos tem a mesma origem ou se evoluíram de forma independente. E é este problema que Suga e colaboradores ajudaram a responder em recente artigo publicado na revista PNAS.

O desenvolvimento dos olhos de todos os animais bilatérios começa com a atividade do fator de transcrição Pax-6. As águas-vivas (medusas) pertencem ao grupo de animais de parentesco mais distante do nosso e possuidores de olhos complexo. Porém estas aparentemente não possuiam gene pax que desempenhasse função na formação de olhos.

Hiroshi Suga e colaboradores, trabalhando no laboratório de Walter Gehring em Basel na Suiça, foram capazes de identificar um gene da família Pax, chamado de pax-A, em águas-vivas. Os autores mostram que Pax-A é expresso nos olhos e ativa a expressão de genes da família opsina, que são também os genes-alvo do Pax-6 em vertebrados. Por fim, os autores mostram que a indução da expressão do Pax-A de água-vivas em moscas resulta na formação de olhos adicionais.

Este estudo mostra que a via gênica responsável pela formação de olhos complexos já estava presente no ancestral comum entre humanos e cnidários. Sim, o olho, de fato, é uma estrutura fantástica e de extrema complexidade. E será que a seleção natural teve tempo pra inventá-lo?  Hoje sabemos: teve, e só o fez uma vez, há mais de meio bilhão de anos. Desde de então, só precisou fazer upgrades.

Saturday, May 29, 2010

Como o inseto sabe onde é sua cabeça e onde é sua barriga?













Em um estudo publicado na respeitada revista Current Biology, Jeremy Lynch e Siegfried Roth da Universidade de Colônia, Alemanha investigaram a pergunta acima: Como o ovo do inseto estabelece onde é sua cabeça e sua barriga?

ResearchBlogging.org

Insetos, em particular a mosca-da-fruta Drosophila melanogaster, diferentemente de outros organismos tais como os vertebrados (incluindo nós, é claro) estabelecem as coordenadas ântero-posterior (cabeca e ânus) e dorso-ventral (barriga e costas) exclusivamente a partir de uma mensagem materna. Assim se você observar uma mosca-da-fruta colocando o ovo, você já sabe qual regiao do ovo dará origem a cabeca e qual dará origem aos orgaos posteriores, como o ânus.

Isso é decorrente de toda a estrutura reprodutiva dentro da mosca-mae, na qual vários óvulos em diferentes fases do desenvolvimento sao observados em forma linear. Assim, um ovo maduro é colocado pela mosca-da-fruta e 20 minutos depois outro ovo maduro pode ser colocado. A fertilizacao ocorre durante a saída do ovo. Esta determinacao de onde a cabeca e o ânus vao se formar vem da localizacao de diferentes moléculas, em forma de RNA-mensageiros nas extremidades de cada ovo e da comunicacao entre o núcleo do óvulo e as células da mae.

O mesmo nao acontece conosco mamíferos, nossa estratégia reprodutiva é diferente. Temos poucos óvulos e cuidamos muito bem deles. Além disso, nossas células iniciais interagem muito mais entre si e se dividem mais lentamente que as células dos insetos. Se você retirar uma célula do seu filho no estágio de 8 células, ele ainda sobrevive muito bem obrigado, por isso nosso desenvolvimento é dito como regulatório, isto é, mesmo que alguma coisa dê errado muitas vezes nossas células conseguem consertar. E além disso nós ficamos no quentinho do útero da nossa mae até o nosso nascimento.

O ovo do inseto nao, é colocado no meio ambiente logo no estágio de 1 célula. Você poderia imaginar, coitado desse ovo de inseto... Mas calma, nao se esqueca de que se ele existe até hoje é porque ele passou por um árduo processo de selecao natural de pelo menos 300 milhoes de anos....
Os insetos desenvolveram uma estratégia de reproducao no qual centenas ou milhares de ovos sao colocados em curto espaco de tempo e sabe-se que nos grupos mais derivados filogeneticamente (representados pela a mosca-da-fruta e o mosquito-da-dengue) a informacao genética da mae que determina os eixos corporais (cabeca e barriga).

Agora sim, vem a pergunta principal do artigo de Jeremy e Siegfried. Seria esse processo de determinacao maternal conservado geneticamente em todos os insetos? A principal evidência viria se um mecanismo molecular comum existisse entre os diferentes grupos de insetos. Essa resposta nao é óbvia, porque diferentes grupos possuem ovários de tipos (e morfologias) bem diferentes.

Em resumo, Jeremy e Siegfried acharam que todos os grupos de insetos que eles analisaram (vespas, grilos, besouros e outros ) usam a via de sinalizacao de Epithelial Growth Factor (EGF) para estabelecer seus eixos corporais (cabeca-ânus, barriga-pescoco), assim como a mosca-da-frutaque se utiliza do mesmo EGF......entao essa via atua neste processo a pelo menos 300 milhoes de anos, indicando que o processo é conservado....

Eu que acompanhei este estudo, pois o Jeremy era meu companheiro (copiando nosso Presidente) de laboratório sei da qualidade e da dificuldade de se realizar um estudo deste tipo, pois foram utitlizadas 4 espécies de insetos em que a manipulacao experimental nao é fácil (organismos nao-modelo)...mas Jeremy fez...pena que a Science nao quis...talvez eu seja suspeito...mas acho que valia....

Lynch, J., Peel, A., Drechsler, A., Averof, M., & Roth, S. (2010). EGF Signaling and the Origin of Axial Polarity among the Insects Current Biology DOI: 10.1016/j.cub.2010.04.023

Monday, May 17, 2010

Remarkable Creatures, Sean Carroll: Um livro sobre momentos épicos no estudo da evolução




O livro “Remakable Creatures: Epic Adventures in the search for the origins of species” (Sean Carroll) é sem dúvida nenhuma uma obra-prima para a divulgação da história dos estudos da evolução. Que Sean Carroll é um excelente escritor e cientista não há dúvida, visto o grande número de posts de artigos dele neste blog e do livro Infinitas formas de grande beleza já publicados.

Mas acho que este livro supera os anteriores que li de Carroll principalmente pelo fato dele realmente conseguir atingir o grande público numa das características que normalmente não estão presentes nos cientistas, a emoção. Carroll narra durante todo o livro as aventuras de grandes cientistas pelas mais inóspitas regiões do mundo buscando responder como a vida surgiu e como ela evoluiu. Sem entrar em detalhes, este é o típico livro para você dar ao seu filho quando ele está na adolescência buscando saber qual profissão seguir (particularmente se você gostaria que ele se engajasse na ciência). Também é um bom livro para quando um cientista está desanimado e se perguntando por que é importante fazer ciência, em particular, por que é importante se estudar evolução. Este ainda não é o meu caso.....

Começando por Alexander von Humbolt, passando por Charles Darwin, dando uma atribuição clara ao papel de Alfred Wallace e Henry Bates a primeira parte do livro, “The Making of a Theory” (Fazendo a teoria) é, na minha opinião, uma das melhores partes do livro, pois embora estes tópicos sobre a teoria da evolução tenham sido escritos e reescritos, Carroll consegue dar uma personalidade nova a estes tópicos ao enfatizar a perseverança e as características de cada cientista envolvido com essas descobertas.

O livro segue, recomendo a compra não vou ficar contando todas as estórias, só gostaria de ressaltar uma das últimas passagens, a da descoberta do Homem de Neandertal e dos estudos moleculares sobre separação de nossa linhagem e dos Neandertais, muito bem escrita e muito atual, uma vez que o genoma do Neandertal acaba de ser publicado na Science pelo grupo de Svante Pääbo.

É isso, recomendo a leitura tanto para especialistas quanto para pessoas apenas com interesse geral em evolução. Afinal de contas, quem não gosta de um livro que conta estórias? O interessante é ler estórias reais que mudaram o conceito da humanidade sobre a questão da evolução das espécies....

Tuesday, April 20, 2010

Resenha: "Why Evolution is True", de Jerry Coyne

"Why Evolution Is True" ou “Porque a Evolução é verdade”, que ainda não foi lançado no Brasil, aborda argumentos e exemplos que suportam a teoria da evolução, tema exaustivamente explorado por diversos autores  nacionais e internacionais. Entretanto, poucos possuem as credenciais, o talento narrativo e o poder de argumentação que Jerry Coyne não poupa neste livro.

Jerry Coyne, além de contribuir ativamente para o campo da especiação, possui um pedigree evolucionário incrível: foi orientado por Richard Lewontin (um dos fundadores dos campos da genética de populações e evolução molecular), que por sua vez foi orientado por Theodosius Dobzhansky (pai da síntese moderna da evolução),  treinado por Thomas Hunt Morgan (um dos fundadores da genética moderna e ganhador do premio Nobel de Medicina em 1933).  Acredito que o Dr. Coyne, ao publicar o “Porque a Evolução é verdade” definitivamente honrou esta ancestralidade peculiar e formidável.

Nos primeiro capítulo, Dr. Coyne explica por que a evolução, diferentemente das propostas alternativas a ela, constitui em uma teoria cientifica e lista uma serie de previsões geradas pela teoria da evolução, que podem ser testadas. Os capítulos que seguem constituem uma enxurrada de exemplos magníficos, de topos os tipos, que dão suporte as previsões listadas pelo Dr. Coyne.

A principio estava um pouco apreensivo com o livro, pois imaginei que teria que ler mais um autor comentando sobre os mesmos exemplos que vários outros antes dele já citaram. Contudo, fiquei surpreso com o numero assombroso de exemplos fantásticos de evolução na natureza que eu completamente desconhecia. E a narrativa do Dr. Coyne os amarra juntos em um pacote de evidencias que não permitem qualquer outra conclusão que não seja a constatação da verdade absoluta que é evolução das espécies.

Opto nesta resenha por não mencionar os exemplos que Dr. Coyne usa no livro. Prefiro deixar como surpresa para o leitor, pois adorei ser surpreendido pelos exemplos exóticos. Mas uma das minhas seções prediletas do livro foi a lista de fontes obtidas na internet. La estão disponíveis uma serie de textos e vídeos super interessantes sobre os temas abordados no livro.

A única critica que faço ao livro é que a opção feita pelo Dr. Coyne (talvez absolutamente necessária) de abordar uma amostragem descomunal exemplos fez com que os últimos capítulos do livro se tornassem uma leitura um pouco cansativa.

Enfim, “Porque a Evolução é verdade” definitivamente não é somente mais um livro sobre evolução, mas sim uma grande contribuição para a divulgação da teoria da evolução e leitura agradabilíssima para leigos e especialistas.

Thursday, April 1, 2010

Como é o metabolismo energético do embrião do mosquito da dengue?




ResearchBlogging.org

É com grande satisfação que escrevo a primeira vez sobre um artigo produzido 100% em território nacional. O grupo do Rio de Janeiro liderado pelo Prof. Carlos Logulho da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) demonstrou pela primeira vez quais vias metabólicas estão atuantes durante o desenvolvimento embrionário do mosquito da dengue, o Aedes aegypti. Acho que não é nem necessário dizer o quão importante é esse tipo de estudo, afinal o mosquito da dengue está sempre a nossa volta e entender a embriogênese desse inseto ao nível molecular é fundamental para o desenvolvimento de novos mecanismos de controle.

No presente artigo Vital e cols. correlacionam eventos morfológicos importantes do desenvolvimento do mosquito com a atividade das diversas enzimas importantes para o metabolismo de glicose. A análise dos níveis do RNA-m da enzima GSK-3, uma enzima bem conhecida dos biologistas do desenvolvimento, pois atua na via de sinalização de Wnt, também mostrou uma correlação interessante com os níveis de glicose e glicogênio do ovo.

Tanto a atividade quanto a expressão de GSK-3 diminuíram bastante entre 5 e 24 horas após a ovoposição (HAE), enquanto que a concentração de glicogênio, de modo inverso, aumentou no mesmo período. Os autores propõem que assim como em vertebrados em mosquitos, a atividade de GSK-3 seria negativamente regulada pela via de sinalização de insulina. A gliconeogênese, a formação de glicose a partir da quebra de produtos do metabolismo de proteínas e lipídeos (não-carboidratos), por sua vez, aumenta após a formação da banda germinal, um resultado que sugere que há uma compensação na geração de glicose a partir desta via alternativa. Outro aspecto interessante do artigo foi o pico de glicose observado a 15 HAE, que precede a síntese da cutícula serosa, uma estrutura que foi previamente mostrada por um dos autores (o pesquisador Gustavo Rezende) como importante para evitar o processo de dissecação do ovo de Aedes (Rezende et al., 2008 BMC Dev Biol).

O presente trabalho além de bastante interessante pelos dados apresentados abre várias questões que podem levar a uma análise de Evo-Devo. 1) Será que o estágio de retração da banda germinal é o ponto de referência da embriogênese em relação ao metabolismo da glicose em outros artrópodes? 2) Qual(ais) as vias de sinalização que são afetadas pela perda da função de GSK-3? 3) Em que região do ovo são expressas as enzimas das vias metabólicas? >p> Essas e outras questões demandam estudos em outros artrópodes em que estudos funcionais (RNAi) são possíveis. É aí que um besourinho da farinha ou uma aranha-de-casa pode ajudar...mas isso é um assunto para possíveis colaborações do autor do post com os autores do artigo...

Vital W, Rezende GL, Abreu L, Moraes J, Lemos FJ, Vaz Ida S Jr, & Logullo C (2010). Germ band retraction as a landmark in glucose metabolism during Aedes aegypti embryogenesis. BMC developmental biology, 10 PMID: 20184739

Monday, March 15, 2010

Doutorado nos EUA

Caros leitores, 
o texto abaixo foi escrito por Mariana Louza, mestranda na UFRJ, sobre o processo de realização de Doutorado nos EUA, com bolsa americana. A Idéia surgiu de nossa conversa com ela durante um simpósio no Rio de Janeiro. Uma versão mais extensa encontra-se disponível em link no final do texto. Acredito que este texto será de grande valia para os interessados em embarcar nesta empreitada. A proposito: parabéns para a Mariana, recentemente aceita em programa de doutorado na Universidade de Cincinnati!

Olá a todos, meu nome é Mariana Louza, sou aluna de mestrado do Prof. José Garcia Abreu pelo Programa de Ciências Morfológicas do ICB na UFRJ. Durante o ano passado eu estive envolvida em pedidos de bolsa para realizar meu doutorado pleno no exterior, e foi justamente em busca de informações que conheci o Rodrigo e o Igor, que me convidaram pra escrever no blog dando dicas aos alunos que estejam interessados em estudar fora do país também.

Resolvi dividir minhas dicas em tópicos, então além da visão geral, gostaria de falar mais sobre o processo de escolha das universidades, os contatos com os pesquisadores, a aplicação em si - requisitos,  inscrições nos sites, taxas, documentos e cartas-, as provas de proeficiência e enfim, o resultado.

Pra começar, o mais importante dessa decisão é a determinação, você tem que ter certeza do que quer, pois o processo é muito difícil, longo e caro também, então o melhor é preparar a cabeça e o bolso pro que vem por aí. A escolha da universidade é muito pessoal, depende da sua área de interesse, e primeiramente deve-se definir o país (ou os países) onde irá aplicar. Cada um tem suas vantagens e desvantagens, os Estados Unidos, por exemplo, apesar de muito atrativo é um país de difícil aceitação a estrageiros, já os países europeus são muito abertos a receberem alunos de fora, além da disponibilidade de bolsas. Eu decidi aplicar pra universidades americanas primeiramente, e caso não obtivesse nenhum resultado positivo iria em busca das européias, então essas dicas são todas voltadas ao processo americano de admissão.

Optei por buscar nos sites das revistas de Biologia do Desenvolvimento os nomes dos orientadores que estivessem publicando bem, e em temas do meu interesse, fiz uma lista enorme primeiramente, e depois fui olhando um a um. Cheguei a uma lista final, e então fui atrás das universidades de cada um, vendo o nivel da Pós, a estrutura do departamento, e a possibilidade de receber estrangeiros. A internet é a base da sua busca, pois você encontra facilmente os sites das universidades, com todas a informações dos programas de Pós-Graduação: grade curricular, professores envolvidos em orientação e aplicação online.

Um passo importante é você iniciar o contato com esses pesquisadores, um simples e-mail pode abrir muitas portas. É legal dizer além de quem você é, onde estuda, experiência que possui em laboratório, o que faz atualmente no seu projeto, e por fim explicar porque seu interesse em estudar fora do seu país e deixar claro quais os pontos desse professor e da pesquisa desenvolvida que mais te atraíram. Aí é só aguardar! Por experiência própria, nem precisa esperar muito, a maioria deles responde dias depois, mesmo que seja só pra dizer que infelizmente não tem uma vaga disponivel, mas eles sempre te dão algum tipo de feedback.

Outra dica é entrar em contato e pesquisar sobre o dia de visitas que quase todas as universidades oferecem uma vez por período, onde os aspirantes podem fazer visitas aos campi e conhecer a universidade. É uma ótima oportunidade para se falar com possíveis orientadores e com os membros da seleção do PhD.

Voltando a sua lista agora, o próximo passo é entrar no site de cada Universidade e ir conferir quais os documentos, provas e cartas que eles pedem. Faça isso com antecedência e anote o deadline para submissão!! A pior coisa que pode acontecer é você descobrir em cima da hora que eles pediam algum documento difícil de conseguir as pressas... Vale a pena ir se inscrevendo aos poucos nos sites e dar uma conferida até a última página da aplicação para não ter nenhuma surpresa depois.

Segue aqui uma breve lista de etapas a cumprir:

- informações básicas, históricos da faculdade e mestrado (se tiver) TRADUZIDOS, cartas de recomendação,  personal statement, currículo, resultados das provas de inglês e uma taxa.

- transcripts: são os históricos da faculdade e do mestrado, e eles têm que ser traduzidos por um tradutor juramentado.

- As cartas de recomendação: devem ser escritas em inglês por pessoas que tenham um contato com você, normalmente pedem 3 cartas, e uma deve ser do seu orientador, aquele que mais vai poder falar sobre você e o trabalho que você desenvolve no laboratório, as outras duas ficam ao seu critério.

- O personal statement é uma carta que você escreve falando sobre toda sua vida escolar.

- O currículo: é opcional, mas é uma boa oportunidade de mostrar de forma sucinta seu passado na ciência, liste os congressos, os cursos, as publicações (caso tenha), e qualquer tipo de experiência que tenha sido importante pra sua careira.

- A prova do TOEFL: consiste em 4 sessões: reading, listening, speaking and writing, e cada uma vale 30 pontos, somando no total 120 pontos. A pontuação mínima depende de cada universidade.

- A prova do GRE: prova possui 3 sessões: verbal, maths e writing (mais detalhes no link).

Uma Boa Sorte para todos!!!

Saturday, March 6, 2010

MicroRNAs e a conservação evolutiva dos tecidos



ResearchBlogging.org

Em um estudo publicado em Fevereiro de 2010 na revista Nature, o grupo de Detlev Arendt (EMBL-Heidelberg) nos mostra como o estudo dos diferentes microRNAs presentes no transcriptoma (conjunto de seqüências que são sintetizadas em RNA, a partir do DNA) de uma minhoca bem simples, o anelídeo Platynereis dumerilii pode nos ajudar a entender a evolução dos animais e de sua forma. Em estudos anteriores o desenvolvimento embrionário e a análise dos genes deste organismo já geraram importantes resultados para este grupo tais como a conservação da estrutura do sistema nervoso de anelídeos (Denes AS et al., 2007 Cell). Os resultados deste último artigo dão suporte a hipótese que o organismo hipotético UrBilateria teria um sistema nervoso central e não uma rede difusa de neurônios.

Uma das principais vantagens de se estudar este anelídeo é a posição filogenética deste grupo, pois segundo filogenias publicadas no final da década de 90 (Adoutte et al., 2000) e atualmente aceitas este grupo poderia conter descendentes e características similares ao Urbilateria. Assim a questão abordada pelo presente artigo seria qual o grau de complexidade dos microRNAs presentes no transcriptoma do anelídeo Platynereis dumerilii e de outros invertebrados selecionados? Os resultados obtidos pelo estudo indicam que uma grande complexidade de microRNAs existe em Platynereis dumerilii e provavelmente existia no Urbilateria. Além disso esses microRNAs são expressos em diferentes tecidos destes organismos primitivos.

A partir da análise de expressão e bioinformática os autores determinaram que os microRNAs mais antigos na evolução dos animais são miR-100 e outros similares tais como miR-125 e let-7. Interessante estes microRNAs são expressos em células neurosecretoras em volta da boca neste anelídeo, sendo possivelmente o papel ancestral desta família.

E assim Detlev e colaboradores analisaram a expressão de todos os microRNAs que foram encontrados a partir de “deep sequencing ” (seqüenciamento em larga escala) e encontraram várias similaridades entre a expressão destes microRNAs. Importante vários microRNAs homólogos são expressos em tecidos similares nos diferentes animais.

Ao final os autores propõem que essa expressão similar dos microRNAs nos tipos celulares em diferentes organismos serviria como evidência para a existência de tipos celulares conservados ao longo da evolução nos diferentes organismos. É interessante notar que essa proposta se aproxima um pouco do que o embriologista alemão Ernst Haeckel havia proposto há mais de 100 anos atrás com a célebre frase “Ontogenia recapitula a ontogenia”. A diferença é que hoje podemos abordar tais questões a partir das assinaturas moleculares, tais como os microRNAs demonstrados no presente estudo. Somente mais estudos analisando a expressão e função global dos diferentes genes expressos por cada tipo celular será capaz de confirmar se Detlev e colaboradores estão certos.

Christodoulou, F., Raible, F., Tomer, R., Simakov, O., Trachana, K., Klaus, S., Snyman, H., Hannon, G., Bork, P., & Arendt, D. (2010). Ancient animal microRNAs and the evolution of tissue identity Nature, 463 (7284), 1084-1088 DOI: 10.1038/nature08744

Thursday, February 18, 2010

Os genomas das moscas e a ilusão das seqüências conservadas



ResearchBlogging.org


Em um estudo publicado em Janeiro de 2010 na revista PLOS Genetics o grupo do pesquisador do Howard Hughes Medical Institute (HHMI) Mike Eisen demonstrou o quão pouco sabemos da evolução das seqüências regulatórias, isto é, seqüências que favorecem (“enhancer”) ou inibem (“silencers”) a transcrição (DNA→RNA).

Uma seqüência regulatória, em particular um enhancer, é um pedaço de DNA contendo em geral 400-800 pares de bases de DNA (as letrinhas ATCG), contendo vários sítios de ligação (“binding sites”) para fatores de transcrição (proteínas que se ligam ao DNA).
Tudo bem, parece complicado, mas não é tanto. Vamos tentar simplificar. Muita gente lembra ou já ouviu falar do modelo chave-fechadura utilizado ao falarmos da interação entre uma enzima e substrato. Neste modelo uma enzima só funciona com o seu substrato específico e reações enzimáticas tão importantes para o funcionamento do nosso corpo dependem dessas interações. Com um enhancer a lógica é parecida: o fator de transcrição (como a enzima) só se liga a um pedaço de DNA específico (como o substrato). O que complica um pouco a nossa estória é que um enhancer é composto por vários fatores de transcrição diferentes (várias enzimas) que podem se ligar a diferentes pedaços de DNA (vários substratos). Como numa reação enzimática em que podemos medir a concentração de um determinado produto como resultado da interação enzima-substrato, a quantidade de transcrição nos diz quanto um determinado enhancer está ativo. Assim a estrutura dos enhancers é um código bastante complexo e entender como este código é formado e evolui ao longo dos tempos é um dos grandes enigmas da Evo-Devo atual.

Qual a importância de se entender as seqüências regulatórias e sua evolução? Como já discutimos em vários posts do blog, os genomas (conjunto total de DNA) de organismos multicelulares são em grande parte constituídos por seqüências potencialmente regulatórias. O que o grupo de Mike Eisen tem procurado entender nos últimos anos é como essas seqüências regulatórias são formadas e como elas se modificam ao longo dos anos (evoluem, mas não no sentido de melhoramento per se).

O modelo mais aceito na literatura para a evolução destes enhancers em moscas-da-fruta é que a região funcional do enhancer, a região do DNA em que o fator de transcrição é capaz de se ligar, seria mais conservada em seqüência do DNA que as regiões adjacentes (próximas). Assim vários grupos defendem a hipótese que uma gramática conservada (“cis-regulatory grammars”) existiria e seria produto direto da seleção natural atuando nestas regiões. A principal evidência apontada por esses grupos é a conservação destas seqüências funcionais entre as diferentes espécies de moscas-da-fruta.

O presente artigo de Eisen propõe que essa aparente gramática conservada pode ser na verdade uma conseqüência indireta dos diversos processos que um genoma, no caso da mosca-da-fruta, é submetido globalmente. Dentre estes processos a forte tendência a deleções (perdas de pedaços de DNA) nos genomas das drosófilas poderia explicar, ao menos em parte, esta aparente conservação observada nas espécies de moscas-da-fruta atuais.

Para mim a principal mensagem levantada pelo presente estudo é que as vezes nos esquecemos que o processo de mutação é randômico e que vários fatores globais observados nos genomas não necessariamente são frutos da seleção natural. Acho que isso é uma coisa meio que do ser humano, tendemos a achar que tudo que é observado tem uma finalidade, um por que. Acredito que só novos estudos podem nos ajudar a desvendar enigmas como esses..

Lusk, R., & Eisen, M. (2010). Evolutionary Mirages: Selection on Binding Site Composition Creates the Illusion of Conserved Grammars in Drosophila Enhancers PLoS Genetics, 6 (1) DOI: 10.1371/journal.pgen.1000829

Monday, February 8, 2010

Patas de camundongo, gene de anfioxo

ResearchBlogging.orgO anfioxo, parente distante de vertebrados como nós,  é um invertebrado de corpo alongado, como o de um peixe, que vive em ambientes marinhos. Ele porém não possui ossos, não tem olhos ou órgãos sensoriais complexos como os de vertebrados, não possui um cérebro propriamente dito e nem nadadeiras pareadas (peitorais e pélvicas). Alguns poderiam pensar, portanto, que estes "projetos de vertebrados" tem pouco (ou nada) a nos ensinar sobre quem somos.

Entretanto, qualquer evolucionista, ou entusiasta da evolução, sabe que todo e qualquer ser vivo guarda preciosas pistas para entendermos o que é a vida, quem somos e porque nossos corpos são do jeito que são. E o artigo de Minguillion e colaboradores, publicado em janeiro na revista PNAS, traz consigo as pistas oferecidas pelo anfioxo para entendermos porque temos braços e pernas.

A linhagem de vertebrados que nos originou sofreu um total de 2 duplicações completas do genoma, porém o anfioxo divergiu de outros cordados antes destes eventos e, portanto, possui apenas uma cópia de genes que foram duplicados em vertebrados. Muitos consideram que estes eventos de duplicação gênica são o motivo pelo qual nossa linhagem de cordados dispõe de "formas infinitas de grande beleza".

Por exemplo, acredita-se que o surgimento de nadadeiras peitorais e pélvicas, que depois deram origem a nossos braços e pernas (respectivamente), esta atrelado à duplicação de um fator de transcrição da família T-box (ou Tbx). O gene Tbx5 é o fator de transcrição que inicia a formação de membros anteriores (braços e nadadeiras peitorais), enquanto o gene Tbx4 (juntamente com outro gene chamado Pitx1) promove a formação de membros posteriores (pernas e nadadeiras pélvicas).

O anfioxo, que não possui nem membros anteriores ou posteriores, possui uma única cópia destes genes, chamada de amphiTbx4/5. A pergunta então é a seguinte: se nossos braços e pernas são consequência da ação destes novos genes, resultado da duplicação do ancestral do amphiTbx4/5, então o próprio amphiTbx4/5 seria incapaz de iniciar a formação de membros em vertebrados. Como testar isso? Minguillion e colaboradores utilizaram camundongos mutantes para os genes Tbx4 e Tbx5, que não são capazes de formar patas, e inseriram nestes o gene de anfioxo (amphiTbx4/5). E alguns poderiam pensar:  "o que um pobre gene de anfioxo seria capaz fazer em um vertebrado sofisticado como um camundongo...". Que tal patas dianteiras e traseiras?

De fato, os pesquisadores constataram que o amphiTbx4/5 era capaz de devolver aos camundongos suas patas dianteiras e traseiras, com todos os componentes anatômicos que uma pata de camundongo possui. Portanto, não há nada necessariamente especial na estrutura da proteína gerada pelos genes Tbx5 ou Tbx4 de vertebrados que as credencie para iniciar a formação de patas, ao menos quando comparadas com o amphiTbx4/5. Então, porque o anfioxo não as faz?

Os pesquisadores voltaram então suas atenções para as regiões regulatórias do Tbx4 e Tbx5. Sequências de DNA logo na vizinhança destes genes controlam o local e o estágio do desenvolvimento no qual o Tbx4 e Tbx5 serão produzidos. Em verbebrados, estes genes são "ligados" na mesoderme lateral, na região onde se formarão braços e pernas. No anfioxo entretanto, o gene amphiTbx4/5 não é "ligado" durante estágios embrionários, somente mais tarde em estágios larvais. E quando os pesquisadores procuraram por DNA regulatório semelhante ao encontrado em vertebrados, viram que o amphiTbx4/5 não os possuía.

Em conclusão, este estudo dá suporte à idéia de que muitos dos genes que usamos hoje para formar estruturas anatômicas que nossos ancestrais não possuíam, já existiam em nosso passado. O segredo por trás do surgimento de novidades morfológicas parece estar nas novas maneiras pelas quais genes são utilizados durante o desenvolvimento. Em particular, no surgimento e diversificação de sequências de DNA regulatório. E porque o anfioxo não fez patas? Talvez o próprio anfioxo responderia, parafraseando Jânio Quadros: não fi-lo por que não qui-lo!

Minguillon, C., Gibson-Brown, J., & Logan, M. (2009). Tbx4/5 gene duplication and the origin of vertebrate paired appendages Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (51), 21726-21730 DOI: 10.1073/pnas.0910153106

Tuesday, January 26, 2010

Evolução em ação: quer exemplo melhor que este?

ResearchBlogging.orgNeste mês a rede de TV americana PBS lançou um documentário sobre Evo Devo chamado What Darwin Never Knew (o que Darwin nunca soube). Vale a pena conferir. A primeira metade do documentário trata sobre aquilo que Darwin sabia durante o período em que escrevia seu histórico livro. A outra metado do programa traz exemplos de estudos que revelam o mecanismo pelo qual a evolução opera. E vários destes demonstram como genes modificam a anatomia durante o desenvolvimento embrionário.

Um dos estudos mostrados no documentário descreve o trabalho do grupo do Dr. David Kingsley, da Universidade de Stanford, com o desenvolvimento de nadadeiras em peixinhos conhecidos como sticklebacks. Este trabalho já foi assunto de matéria deste blog. Em resumo: sticklebacks marinhos possuem nadadeiras posteriores (pélvicas) modificadas, em forma de espículas, enquanto que espécies de água doce possuem a pélvis extremamente reduzida. O gene por trás desta diferença é o pitx1, que é idêntico entre as duas espécies, só que apenas os sticklebacks marinhos o expressam na pélvis. Ou seja: o mesmo gene sendo utilizado na pélvis de uma espécie mas não na de outra. Já que o ancestral destas espécies possuía pélvis, a única possível explicação é que a espécie de água doce (de pélvis reduzida) possui alguma mutação em região regulatória do pitx1.

A próxima (e mais difícil etapa) era encontrar esta região regulatória em ambas espécies e mostrar que a espécie de água doce havia desligado este DNA regulatório. E foi precisamente isto que Dr. Kingsley e sua intrépida trupe de posdocs e colaboradores reportaram na revista Science do dia 15 deste mês.

Os autores conseguiram identificar a região (locus) no cromossomo que associava com a ausência de pélvis. Este pedaço de DNA localizava-se na proximidade do gene pitx1. Em seguida os pesquisadores mostram que este pedaço de DNA, denominado de Pel-2.5kb, quando ligado à proteína fluorescente GFP e injetado em embriões de peixe, era capaz de promover a produção de GFP na nadadeira pélvica. Ou seja, a região controladora da expressão de pitx1 na pélvis havia sido encontrada!

Agora a parte mais incrível: Kingsley e colaboradores queriam mesmo era saber se poderiam reverter a evolução. Seria possível devolver aos sticklebacks de água doce o que a seleção natural havia levado embora: suas nadadeiras pélvicas? A resposta foi um ressonante sim! Ao inserir em sticklebacks de água doce uma cópia do gene pitx1 ligado à região controladora Pel-2.5kb de espécie marinha, embriões de sticklebacks de água doce passaram a produzir nadadeiras pélvicas!

A história dos sicklebacks, fruto de anos de trabalho do grupo do Dr. Kingsley, talvez seja o melhor e mais completo exemplo da evolução de um caractere (possuir ou não pélvis) em vertebrados. O passado evolutivo deste grupo de peixes é bem documentado pelo registro fóssil. Sticklebacks marinhos possuem suas nadaderias pélvicas (e dorsais) em forma de espículas para se proteger contra predadores (o documentário da PBS inclusive mostra vídeo de um peixe engolindo um stickleback e em seguida o cuspindo por causa dos espículos). Quando stickleback passaram a habitar lagos e rios onde haviam poucos ou nenhum predador, as nadadeiras pélvicas deixaram de desempenhar papel fundamental para sobrevivência do peixe, e foram eliminadas. Ao analisar o DNA de ambas espécies agora sabemos onde exatamente foi a mutação e em que tipo de sequência de DNA (regulatório). E para provar, podemos reverter o caractere morfológico ao seu estado primitivo.

Muitos outros estudos incríveis como este já foram, estão sendo e certamente continuarão a ser publicados, acumulando mais e mais exemplos ao vasto repertório de estudos que reforçam a teoria da evolução. Tanto a evolução quanto a força da gravidade operam a todo momento ao nosso redor. As forças gravitacionais escondem-se atrás de equações e as forças evolutivas atrás de vastas dimensões temporais. Por isso, nenhuma das duas é necessariamente intuitiva e a elucidação de cada uma requereu uma mente brilhante (que, a propósito, descansam lado a lado na abadia de Westminster). Não vou especular se a teoria da Evolução já é tão (ou mais) bem documentada que a própria lei da gravitação universal... Mas acho que já temos prova suficiente de sua veracidade.

Chan, Y., Marks, M., Jones, F., Villarreal, G., Shapiro, M., Brady, S., Southwick, A., Absher, D., Grimwood, J., Schmutz, J., Myers, R., Petrov, D., Jonsson, B., Schluter, D., Bell, M., & Kingsley, D. (2009). Adaptive Evolution of Pelvic Reduction in Sticklebacks by Recurrent Deletion of a Pitx1 Enhancer Science, 327 (5963), 302-305 DOI: 10.1126/science.1182213

Friday, January 15, 2010

Pegadas de tetrápodes: será?

ResearchBlogging.orgNo dia 7 deste mês, a revista científica Nature trouxe como matéria de capa as supostas pegadas de um tetrápode de 400 milhões de anos atrás. A descoberta seria de grande importância porque as pegadas são 18 milhões de anos mais antigas que qualquer fóssil de tetrápode já encontrado e 10 milhões de anos mais antigas que fósseis de transição como o Tiktaalik rosae.

Por isso, perguntei ao meu chefe, que é paleontólogo, (Neil Shubin - descobridor do Tiktaalik) o que achava das pegadas. Ele me disse: "vem aqui no meu escritório. Vou te mostrar uns artigos". Os artigos que ele me mostrou, claro, eram absoluta novidade para mim, que sou biólogo molecular. Um deles tratava de inúmeras pegadas de artrópodes datando do devoniano (+ ou - 400 milhões de anos atrás). Elas não eram muito diferentes das pegadas da capa da revista Nature, só cobriam uma área maior e eram muitas.

Em outro artigo, os autores descrevem um achado que inicialmente foi reportado como pegadas de tetrápodes, mas depois revisto, retificado e atribuído a artrópodes de mais de 400 milhões de anos atrás. Detalhe: cada pegada media cerca de 25cm de tamanho e a trilha completa das pegadas era tão grande quanto o espaço ocupado por um trilho de trem, indicando que o artrópode responsável pelas pegadas era possivelmente tão grande quanto um dragão de Komodo.

Aí eu perguntei ao Neil: "Mas no artigo da Nature, os autores mostram que as pegadas deixaram impressões de dedos". Neste momento Neil puxou outro artigo do seu computador intitulado: The presumed amphibian footprint Notopus petri from the Devonian: a probable starfish fossil. Basicamente o artigo argumenta que um fóssil previamente identificado como uma pegada (com dedos) de um anfíbio, seria na verdade um fóssil de estrela do mar! Que tal...

Por fim, Neil pegou uma réplica da pata do Tiktaalik (que mais parecia uma nadadeira) e pressionou contra um monte de areia que ele havia colocado em uma caixa em cima de sua mesa. A impressão deixada pela "pegada" do Tiktaalik também deixava marcas que lembravam dedos. Ficou claro para mim que Neil estava extremamente cético a respeito do suposto tetrápode na capa da revista. E seus argumentos eram convincentes! Fiquei então curioso para saber o que pensavam outros paleontólogos que também trabalham na área.

Michael Coates (aqui da Universidade de Chicago), que descreveu o fóssil do Acanthostega gunnari, não acredita que as pegadas em questão sejam de tetrápodes. Ted Daeshler, da Academia de Ciências Naturais da Filadélfia também acha que não. Jenny Clack, paleontóloga da Universidade de Cambridge na Inglaterra, demonstrando cautela, disse para a Science News: "pelo fato das rochas (onde foram achadas as pegadas) não possuírem fósseis, fica difícil interpretar que tipo de organismo deixou tais pegadas". Interessantemente, em matéria publicada na Folha de São Paulo, Rafael da Costa Silva, do Serviço Geológico do Brasil diz: "É muito difícil distinguir esses grupos de "peixes" dos tetrápodes primitivos, mesmo com base em ossos. Imagine com pegadas" e que "os dados não são assim tão conclusivos quanto acham os autores".

Penso que histórias como esta ensinam várias lições: mesmo que revistas científicas falhem no processo de revisão e aceite de um artigo para publicação (só o tempo determinará se este foi de fato o caso) o mais importante processo de crivo científico é mesmo o modo pelo qual a comunidade científica revisa, reflete, critica e absorve ou descarta teorias. Se as pegadas forem de tetrápodes, fósseis virão. Assim como se Darwin estivesse certo quanto à teoria da evolução, a embriologia, geologia, paleontologia e genética o corroborariam. E estas o fizeram.

Além disso, percebi o quanto é difícil para alguém fora de um campo da ciência, julgar o mérito de achados científicos. Eu trabalho em um laboratório de pesquisa de tetrápodes (porém com biologia molecular) e por conta própria não teria qualquer condição de julgar se tais pegadas são ou não de tetrápodes. O mesmo, penso eu, acontece com muitas pessoas que, sem ter treinamento em biologia evolutiva, tentam julgar se o processo de evolução por seleção natural é verdadeiro ou não. Nessas horas não existe muita alternativa, é preciso consultar aqueles que estão ativamente envolvidos no campo de pesquisa para poder formar uma opinião. Parafraseando aquele programa de TV: é preciso pedir ajuda aos universitários!



Niedźwiedzki G, Szrek P, Narkiewicz K, Narkiewicz M, & Ahlberg PE (2010). Tetrapod trackways from the early Middle Devonian period of Poland. Nature, 463 (7277), 43-8 PMID: 20054388

Draganits, E., Grasemann, B., & Braddy, S. (1998). Discovery of abundant arthropod trackways in the ?Lower Devonian Muth Quartzite (Spiti, India): implications for the depositional environment Journal of Asian Earth Sciences, 16 (2-3), 109-118 DOI: 10.1016/S0743-9547(98)00008-7

Derek E. G. Briggs, & W. D. Ian Rolfe (1983). A Giant Arthropod Trackway from the Lower Mississippian of Pennsylvania Journal of Paleontology, 57 (2), 377-390

ROĈEK, Z., & RAGE, J. (1994). The presumed amphibian footprint Notopus petri fiom the Devonian: a probable starfish trace fossil Lethaia, 27 (3), 241-244 DOI: 10.1111/j.1502-3931.1994.tb01417.x