Monday, September 14, 2009

Entrevista: Helena Araújo

Caros leitores,
a entrevistada de hoje é a Dr. Helena Maria Marcolla Araújo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular e do Desenvolvimento, no Instituto de Ciências Biomédicas/UFRJ.

1. O que a levou a realizar uma carreira em Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Sempre me interessou compreender qual o código utilizado para transformar uma única célula totipotente num organismo complexo. Durante meu doutorado fiz algumas análises ao longo do desenvolvimento de murinos. Meu primeiro contato com a área ocorreu durante meu estágio sanduiche no Collége de France, onde assisti a uma palestra de Andrew Lumsden. Me encantou a beleza dos ensaios realizados no organismo íntegro. Ao final de meu doutorado eu ansiava trabalhar com um modelo que me permitisse fazer ensaios in vivo. Foi uma feliz coincidência conhecer Ricardo Guellerman Ramos no IBCCF, com quem estabeleci uma colaboração trabalhando em Drosophila. Esta experiência definiu minha escolha para o pós-doc e para o meu futuro como coordenadora de pesquisa em Biologia do Desenvolvimento.

2. Na sua opinião, qual foi trabalho científico mais importante na Biologia do Desenvolvimento/Evo-Devo?

Na raiz da BD estão os trabalhos de Cristianne Nusslein Volhard, Eric Wiechaus e Ed Lewis. Utilizando Drosophila melanogaster como modelo eles identificaram mutações que alteravam a organização do corpo do animal. Foram eles que definitivamente mostraram que era possível identificar genes responsáveis por codificar padrões corporais. Antes não se acreditava que um único gene pudesse ter efeitos tão drásticos. O grande insight destes pesquisadores foi associar a Genética, a Embriologia e a nascente Biologia Molecular para investigar questões fundamentais do desenvolvimento animal. Seus achados revolucionaram a Embriologia e a Genética. Sua forma de investigar influenciou não apenas a pesquisa em Drosophila, mas também em modelos futuros como Zebrafish e Arabidopsis. Não admira eles terem ganho o prêmio Nobel de Medicina de 1995.

3. Quais as vantagens e desvantagens de se fazer Biologia do Desenvolvimento no Brasil?

A maior vantagem é que esta área é nova no Brasil. A maior desvantagem é que a área é nova no Brasil. Ou seja, é grande a excitação por parte dos alunos, que fazem uma série de novas descobertas pessoais simplesmente por entrar em contato com pesquisa na área. Isto preenche nossos laboratórios com pessoas motivadas e cheias de gás. Por outro lado, a BD tem uma forma específica de pensar e trabalhar a ciência, sempre procurando os mecanismos por trás de processos do desenvolvimento. Estas pesquisas tomam tempo, o que não é bem conhecido e compreendido aqui no Brasil. A pressão pela publicação de trabalhos parciais, que não são bem aceitos em BD, é grande. Mas estamos trabalhando esta parte, procurando com os encontros bienais do núcleo de Biologia do Desenvolvimento formar uma comunidade forte em BD, disseminando e fortalecendo esta pesquisa no Brasil. Aliás, este ano temos mais um Simpósio, em Taubaté, SP (veja www.uftm.edu.br/sibd) .

4. Quais são as perguntas que você gostaria de responder em seu futuro científico ?

Primeiramente, me interessa entender como os organismos lidam com “redes regulatórias”, ou seja, como eles traduzem um grande número de informações que convergem sobre a regulação de um mesmo evento. Estamos fazendo esta análise para o fator de transcrição Dorsal, da família NfkappaB, que é ativado no citoplasma pelo receptor Toll e inibido por uma via paralela envolvendo uma BMP. Ao compreendermos o resultado da combinatória destes dois sinais podemos começar a incrementar nossa análise, levando em conta um maior número de sinais que convergem sobre o mesmo fator de transcrição. A segunda pergunta, de cunho mais evolutivo, é compreender como são construídos os genes pleiotrópicos. Tem-se como hipótese que é econômico para os organismos utilizar um mesmo gene várias vezes ao longo de seu desenvolvimento e fisiologia, o que requer a aquisição de novas sequências regulatórias ao longo da evolução, mas não exige a aquisição de um gene inteiramente novo. A princípio estas sequências regulatórias são independentes e sofrem diferente pressão seletiva. Gostaria de testar se isto realmente é verdade ou se existem “constraints” adicionais quando se trata de um gene pleiotrópico versus um que é expresso de forma mais pontual.

5. Quem mais a influenciou na sua carreira científica?

Difícil falar de influências, já que somos construídos de fragmentos de experiências ao longo dos anos. No entanto, meu supervisor de pós-doutorado, Ethan Bier, foi uma influência importante. Seu lema “data ipsis loquitur” ou “let the data speak”, nos mostra a importância do rigor científico e a busca de abordar um problema de todos os ângulos possíveis. De uma forma menos pessoal, publicações de certos pesquisadores também impactam na forma como pensamos. Admiro os trabalhos de Sean Carroll, que além de excelente cientista é um ótimo divulgador. Finalmente, não posso deixar de dizer que ainda hoje sou influenciada pelo trabalho de colegas cientistas, principalmente aqueles que me mostram que se pode fazer pesquisa de excelente qualidade no Brasil. Entre os mais jovens, merecem destaque o geneticista Bernardo Carvalho e o biologista do desenvolvimento José Xavier Neto.

6. Que outra profissão voce teria escolhido que nao a carreira científica?

Antes de mais nada, eu adoro o que faço! Realmente me divirto. Mas quando me preparava para fazer o vestibular eu tinha dúvidas entre me dedicar a àrea biológica ou arquitetura. Era o meu lado artístico brigando com minha vertente investigativa. Hoje satisfaço essa necessidade pintando. Mas acredito que também busco beleza na minha pesquisa. Nada me deixa mais feliz do que uma bela imagem de um embrião, cheia de significado científico!

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