Nas últimas 3 décadas aprendemos muito sobre como genes controlam o desenvolvimento embrionário. Uma da lições foi a observação de que, em muitos casos, a mesma proteína de sinalização ou fator de transcrição pode coordenar simultaneamente a formação de diversos órgãos e tecidos do embrião. Alguns exemplos de tais proteínas incluem membros da família de proteínas Wnt, FGF, HH, BMP, etc. Esta constatação acabou gerando um dilema para a biologia evolutiva.
Mutações que modificam a seqüência de aminoácidos de uma proteína, em muitos casos, provocam efeitos deletérios. Além disso, a partir do momento em que a seqüência codificante do gene foi alterada, a nova versão da proteína será produzida em todos os tecidos que esta normalmente atua, podendo impactar o desenvolvimento de uma forma generalizada. Neste contexto, o dilema é: como mutações na região codificadora de proteínas podem afetar a evolução de um órgão, sem alterar a forma/função de outros?
A solução proposta e apoiada por um grupo de pesquisadores que inclui Sean Carroll, Eric Davidson, David Stern e Greg Wray, é que alterações nas seqüência regulatórias de genes, e não na região codificadora, seriam as principais responsáveis pela evolução da expressão gênica e do surgimento de novas morfologias.
Esta proposta, que é atualmente componente central da Evo Devo, é vigorosamente criticada por um grupo de pesquisadores, entre os quais Jerry Coyne e Hopi Hoekstra. Para estes, concluir de que alterações em regiões regulatórias são “mais importantes” para a evolução que alterações na seqüência de aminoácidos é muito prematuro. Em 2007, com um artigo na revista Current Biology, Coyne e Hoekstra citam alguns exemplos de diversas maneiras pelas quais regulação gênica pode evoluir sem alteração em regiões regulatórias. Os autores também enfatizam que existem pouquíssimos estudos (antes, para Coyne, não existia nenhum) que suportem a proposta de Carroll.
Em março de 2008, o Dr. Carroll contra-atacou com um artigo na renomada revista Cell descrevendo um elegante estudo em espécies irmãs do gênero Drosophila, onde a diferença de pigmentação abdominal é resultado da alteração da região regulatória do gene tan. Aqui vai o background do estudo: duas espécies, D. yakuba e D. Santomea, habitam a ilha de São Tomé, na costa oeste da África, tendo divergido há aproximadamente 100 mil anos. Machos da espécie D. Yakuba D. Santomea não possuem pigmentação abdominal. Para descobrir qual gene estaria por trás desta diferença de pigmentação, os pesquisadores mapearam o locustan. Este gene codifica uma enzima que desempenha papéis tanto em pigmentação quanto visão, e mutantes que possuem a versão defectiva do gene tan
Ao analisar a expressão do gene tan, o grupo do Dr. Carroll constatou que D. yakuba produzia normalmente tan mRNA nos segmento abdominais A5 e A6, enquanto que D. Santomea não. Interessantemente, a expressão do gene tan em outros tecidos era normal em ambas espécies. Tal observação é indicativa de alteração em região regulatória.Por esta razão, os pesquisadores buscaram identificar a região regulatória do gene tan responsável pela expressão nos segmentos abdominais A5 e A6. Ao examinar regiões ao redor do gene, os autores puderam identificar um “pedaço” de DNA, o qual chamaram de t_MSE, que ao ser ligado a um gene repórter (eGFP), recapitulava perfeitamente a expressão do gene tan nos segmentos abdominais A5 e A6.
Os autores então produziram moscas da espécie D. Santomea (que não possui pigmento abdominal) onde t_MSE de possuem os segmentos abdominais A5 e A6 com pigmentação escura, enquanto que associado com este fenótipo e, para encurtar a história, voltaram suas atenções para o gene não produzem pigmentos abdominais. D. melanogaster (que possui pgmentação), conduzia a expressão do gene tan. Resultado: D. Santomea agora produzia tantan no abdômen de moscas D. Santomea havia ocorrido na região regulatória, os autores fizeram o experimento recíproco: t_MSE de D. Santomea, conduzindo a expressão de eGFP, foi inserido em D. Melanogaster. Resultado: nada. t_MSE de D. Santomea simplesmente não mais funciona como região regulatória.
Por fim, o artigo ainda descreve outros experimentos e análises a respeito da evolução destas duas espécies de Drosophila, mas os dados descritos acima ilustram o que me parece inequívoco: na natureza, inúmeros exemplos de tais casos devem existir. A dura tarefa agora é identificar mais destes exemplos onde regiões regulatórias são alvo de mutações que promovem divergências morfológicas. Se este é o modo principal pelo qual espécies divergem morfologicamente ainda não sabemos. Entretanto, estudos como este mostram que mutações em regiões regulatórias podem guiar a evolução morfológica, não somente de forma conjectural em revistas científicas, livros ou em experimentos laboratoriais, mas na natureza.
Coyne JA, & Hoekstra HE (2007). Evolution of protein expression: new genes for a new diet. Current biology : CB, 17 (23) PMID: 18054763
Jeong S, Rebeiz M, Andolfatto P, Werner T, True J, & Carroll SB (2008). The evolution of gene regulation underlies a morphological difference between two Drosophila sister species. Cell, 132 (5), 783-93 PMID: 18329365
Friday, October 30, 2009
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Matérias muito boas e aprende-se muito. Espero que visitem o meu blogue e fiquem também fãs! (p.s tb sou biólogo)
ReplyDeleteAbraços